PAULA SPERB, ENVIADA ESPECIAL
TRÊS PASSOS, RS (FOLHAPRESS) – O médico Leandro Boldrini, pai do menino Bernardo, assassinado aos 11 anos em abril de 2014, negou qualquer envolvimento com o crime durante audiência que acontece nesta quarta-feira (27) no Fórum de Três Passos (a 389 km de Porto Alegre).
“É falsa [a denúncia]. Tenho a cristalinidade de declarar ao senhor [juiz] que isso é falso. Eu não participei disso. Eu nego”, disse Leandro ao juiz Marcos Luís Agostini.
Ele e outros três suspeitos do crime -a enfermeira Graciele Ugulini (madrasta de Bernardo), Edelvânia Wirganovicz e Evandro Wirganovicz- também falarão a Agostini em audiência.
O juiz leu a denúncia que indica Leandro como mentor e executor do crime, com ajuda para a criação de álibis para os demais suspeitos e recursos materiais para cooptar auxílio para o crime.
Na audiência, Agostini perguntou a Leandro quem eram os culpados pela morte do menino, já que ele se diz inocente. “Os autores são os demais denunciados”, disse ele, referindo-se à sua mulher, Graciele Ugulini, e aos irmãos Edelvânia e Evandro. “Tem imagens que mostram isso”, disse.
O pai de Bernardo disse que a polícia e o Ministério Público “imaginaram” que ele participou do crime e que, por isso, o colocaram “junto” na denúncia.
RELACIONAMENTO DA FAMÍLIA
Em suas declarações, Leandro reclamou do comportamento de Bernardo, que foi definido como uma criança com “tolerância zero”. “Ele não obedecia”, disse o médico.
“A Graciele [madrasta] tinha um conflito porque o Bernardo não tinha desempenho escolar satisfatório, não levava a sério o tratamento dentário. Ela insistia para que ele fizesse aquilo e ele não fazia”, disse o pai.
“Com o tempo, o afeto [da madrasta e de Bernardo] foi diminuindo”, continuou, fazendo um gesto com a mão apontando o declínio. “Eles se odiavam. Eram muito agressivas as discussões, eu entrava no meio como um moderador”, falou, referindo-se a acontecimentos de “meados de 2013”.
Leandro afirmou ainda que pedia a Bernardo que não passasse tanto tempo fora de casa e que não entendia a razão de ele fazê-lo. O menino costumava dormir e fazer refeições na casa de uma família conhecida deles. O médico disse que trabalhava 24 horas por dia durante o mês inteiro, mesmo nas folgas.
RECEITA MÉDICA
Sobre a receita do medicamento Midazolam, Leandro afirmou que sua secretária, Andressa Wagner, tinha acesso ao receituário e que, algumas vezes, ele assinava receitas em branco para casos específicos solicitados por ela. O medicamento foi usado para matar Bernardo.
O juiz Agostini perguntou ao pai se ele costumava filmar o garoto. “Eu fazia. Tinha momentos bons também, era só apertar um botão do smartphone [para gravar]”, respondeu Leandro.
Agostini também o questionou sobre os vídeos que mostram Bernardo pedindo socorro e no qual Graciele diz que o garoto iria parar “debaixo da terra”.
“Eles foram feitos para registrar aquela agressividade. Para procurar ajuda, ajuda psicológica, psiquiátrica. Eles foram feitos em meados de 2013”, disse Leandro.
Segundo ele, Bernardo estava nervoso no dia do crime porque iria passar a noite fora e o compromisso foi cancelado. Por isso, disse o médico, Bernardo “jogava ovos no chão” e “quebrava coisas”.
ASSASSINATO DE BERNARDO
“Pensei que ele estava na casa de alguém que eu não tinha contato. Fui na polícia e fiz um boletim de ocorrência”, contou Boldrini.
O médico também foi denunciado por falsidade ideológica em decorrência desse BO. A denúncia argumenta que Boldrini já sabia do crime, porque é um dos mentores da morte, e prejudicou a investigação.
“Fiquei sabendo da morte quando eu já estava preso. ‘Por que eu estou preso?’, eu perguntava à polícia. Quando ela [Graciele] confessou que tinha participação, a polícia me segurou. Parti para a agressão física. Quando a gente ficou sabendo do que realmente aconteceu, algemado, eu chorei. Fiquei indignado com ela”, disse o pai.
Segundo o médico, Graciele disse que iria a Frederico Westphalen para comprar uma televisão e um aquário para Bernardo. Na volta, a madrasta disse que Bernardo foi junto e depois saiu de casa, dizendo que ia dormir na casa de um colega.
Leandro disse que ligou inúmeras vezes atrás do menino. Ao ser questionado pelo juiz, no entanto, disse que não se lembra do número do celular do filho. “Era um pré-pago”, disse.
‘VAMOS, MACHÃO’
Leandro Boldrini também foi questionado, pela promotora Silvia Jappe, sobre sua ausência na missa de primeira comunhão de Bernardo. O pai disse que Bernardo não era assíduo e não se importaria, mas a promotora lembrou que Bernardo era coroinha da igreja.
A promotora perguntou ainda por que o pai provocava o filho, citando um vídeo em que é possível escutá-lo dizendo a Bernardo frases como “Vamos, machão”. Leandro respondeu que estava tentando acalmá-lo e que mostrou o vídeo para a polícia porque “interpretou” como uma ameaça de Bernardo o fato de o menino segurar um facão.
A promotora lembrou que Leandro e Graciele continuam casados e que o processo foi interrompido por falta de pagamento, mas que havia possibilidade de recurso para obter a separação.
Para Marlon Taborda, advogado da avó materna de Bernardo e assistente da promotoria, Leandro disse que o filho nunca foi proibido por Graciele de entrar em casa, como afirmam testemunhas. “O senhor está lutando por uma causa perdida”, disse o médico a Taborda. “Amo meu filho, amarei para sempre”, finalizou.
Durante o interrogatório, o advogado de Edelvânia perguntou a Leandro a razão de ele dizer que sua cliente era culpada pelo crime. O médico disse que se referiu apenas “aos outros” e que não conhece os irmãos Edelvânia e Evandro Wierganovicz.