A divulgação do Índice FIRJAN de Gestão Fiscal (IFGF) 2015, calculado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, a partir dos resultados observados no exercício de 2013, expressa acentuada deterioração da situação fiscal e financeira da esmagadora maioria dos municípios brasileiros, revelando, primordialmente, reduzido retorno e precária administração dos recursos extraídos da sociedade na forma de impostos, taxas e contribuições.

O indicador é apurado desde 2012, com base em informações de declaração obrigatória, de periodicidade anual, fornecidas pelas administrações municipais e tornadas públicas pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN). A presente avaliação levou em conta o quadro de 5.243 municípios brasileiros, que abrangem quase 97% da população do País, ou mais de 191 milhões de pessoas, ficando de fora 324 espaços geográficos devido a não disponibilidade, insuficiência ou até inconsistência dos dados requeridos para a preparação do indicador.

A mensuração geral é apoiada na média entre cinco itens parciais (receita própria, dispêndios com funcionalismo, liquidez, investimentos e encargos da dívida), traduzida em uma pontuação que varia entre zero e um, indicativa de melhor gestão fiscal à medida que se aproxima da unidade. Na verdade, há estratificação em quatro classes: A – acima de 0,8, denotadora de excelência na gestão; B – entre 0,6 e 0,79999, conceito bom; C – entre 0,4 e 0,59999, gerência difícil; e abaixo de 0,4, administração crítica.

O relatório de 2015 destaca 4.417 (84,3%) prefeituras em condição fiscal difícil ou crítica, 808 (15,4%) na categoria de boa gestão e 18 (0,3%) ostentando grau de excelência. A performance ruim decorreu do incremento dos gastos com pessoal em velocidade superior à variação das receitas, comprometendo parcela relevante dos orçamentos e penalizando as inversões. O declínio dos investimentos ocorreu em 3.559 (67,9%) localidades.

Considerando que as estatísticas levantadas e tratadas cobrem um período de estagnação econômica, ruim, porém menos desconfortável do que a recessão exibida nos tempos presentes, parece lícito admitir a ocorrência de um pronunciado agravamento do retrato e do filme de penúria financeira das cidades brasileiras. Não por acidente, as operações pires nas mãos, protagonizadas pelas prefeituras, na direção dos cofres governos estaduais e federais, também tecnicamente quebrados, tem se tornado cada vez mais frequentes.

No entanto, é preciso ter presente que a conjuntura adversa serve apenas para agudizar a pauperização das finanças dos municípios nacionais, especialmente quanto à geração de arrecadação própria, e a dependência das transferências de recursos das demais esferas da federação, fortemente condicionadas a interesses de natureza política, aspectos presentes em uma administração pública viciada e influenciada, em grande medida, pela vigência de um arcabouço tributário que propicia a concentração de 70% dos haveres arrecadados em poder da União, 25% dos estados e somente 5% dos municípios, sendo 80% destes últimos concentrados no imposto sobre serviços (ISS), imposto predial e territorial urbano (IPTU) e imposto sobre transmissão de bens imóveis (ITBI).

A fúria arrecadatória do governo federal foi ganhando marca registrada em meados da década de 1990, quando, o lançamento de um conjunto nada desprezível de contribuições, ladeado por alargamentos das bases de incidências dos impostos, não partilháveis com estados e municípios, e pela retenção de 20% dos recolhimentos – viabilizada pela instituição do fundo social de emergência (FSE), depois Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), e mais tarde, Desvinculações das Receitas da União (DRU) – conferiu traços eminentemente concentradores ao sistema tributário.

Outra faceta relevante da interferência da União na vida financeira dos demais entes federados repousou nas decisões de diminuição das alíquotas do imposto sobre produtos industrializados (IPI), para incentivar o consumo de bens duráveis e materiais de construção, entre 2009 e 2014, de zeragem da contribuição de intervenção no domínio econômico (Cide), conhecido como impostos dos combustíveis, no intervalo compreendido entre o segundo semestre de 2012 e 2014, e da retirada dos encargos federais incidentes sobre as tarifas de energia elétrica, a partir de fevereiro de 2013.

Ao comprimir as receitas oriundas do IPI e, por extensão as alocações no fundo de participação, e os ingressos dos estados proporcionados pela Cide e pelo ICMS (caso da energia), tal postura populista serviu para complicar ainda mais o fluxo de caixa da maior parte das prefeituras do País.

O mais gritante, contudo, foi a multiplicação das posições passivas assumidas pelas administrações daqueles lugares diante de um panorama adverso, em que a recessão e a inflação fazem a arrecadação derreter. Mais precisamente, em vez de priorizar o uso racional dos recursos públicos, por meio do enxugamento de gastos e definição e execução criteriosa de prioridades, os executivos municipais intensificaram costumes clientelistas de engorda de máquinas administrativas, bastante comuns em épocas em que a inflação resolvia tudo, ao encobrir toda a sorte de ineficiências, com o expediente de indexação de receitas e postergação de gastos.

Aliás, em alguns municípios, criados para saciar o apetite e as conveniências eleitorais e preservar as bênçãos regionais de certos deputados, a receita direta é insuficiente até para cobrir os requerimentos financeiros para custeio da máquina do executivo e legislativo.

O cenário de cobertor curto induz, de maneira quase que automática, o sacrifício do planejamento de longa maturação, o que afeta os investimentos em capital social básico, cruciais para impulsionar a qualidade de vida das pessoas que escolheram os governantes de plantão e sustentam as respectivas administrações com o pagamento de impostos. Na terra da mulher sapiens, essa é a rotina.

Gilmar Mendes Lourenço é economista, Professor e Editor da Revista Vitrine da Conjuntura da FAE Business School.