MARCO RODRIGO ALMEIDA, ENVIADO ESPECIAL
PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – Encerrando os debates sobre Mário de Andrade, José Miguel Wisnik fez uma análise detalhada sobre a vida e a obra do homenageado da Flip.
O professor de literatura brasileira da USP, músico e ensaísta falou para uma plateia que lotou a Tenda dos Autores, pela qual foi aplaudido de pé no final.
Wisnick comentou as relações entre vida e obra do autor, destacando como a biografia pessoal de Mário espelha a história do país. “Mário de Andrade veio de uma família ao mesmo tempo típica e anômala, e isso tem a ver visceralmente com a personalidade dele.”
A mãe de Mário nasceu de um casamento raro no Brasil do século 19 -o de um político de família tradicional, Joaquim de Almeida Leite Moraes, com uma mulata filha de lavadeira. O pai do escritor também nasceu de situação parecida -relação inter-racial entre patrão e empregada-, mas nunca foi oficialmente assumido por seu progenitor. Outra coincidência: as avós eram primas.
O pai de Mário, Carlos Augusto de Andrade, tornou-se secretário de Leite Moraes e acabou casando-se com a filha dele, Maria Luísa. O casal teve três filhos -Mário era o do meio. “Ali havia uma família onde a sociedade escravista e mestiça se mostra. Mário traz à tona a história da família. Era mulato, feio. Era como se nele tudo o que a família calasse viesse à tona.”
Wisnick vê nessa origem familiar do escritor um dos traços de sua relação ambivalente com o país, o que se reflete na obra-prima do autor modernista, “Macunaíma” (1928).
“O herói sem nenhum caráter expressa o irresponsável, o que não responde por seus atos, a malandragem, traços recorrentes da cultura brasileira. No entanto, é também o esperto, o original, o versátil.”
“Isso expressa as dualidades de Mário”, disse. “Alguém que está voltado para mudar, civilizar o Brasil, e ao mesmo tempo quer deixar-se ir ao fundo dessa sociabilidade mestiça, essa capacidade lúdica da vida. Isso está presente de maneira trágica e lúdica no ‘Macunaíma'”.
Wisnick também comentou duas novidades recentes sobre – a descoberta de uma gravação em que ele canta três músicas e a revelação de uma em que comenta sua sexualidade. “Para mim teve impacto muito grande ouvir a voz do Mário. A voz dele, a respiração, o ritmo, era como uma holograma que se projetava”, contou. “Há uma dicção afeminada, delicada, uma voz de barítono.”
No começo do mês passado, um trecho de uma carta de Mário a Manuel Bandeira, escrita em 1928 e vetada a pesquisadores, veio à tona. Nela, o escritor, com elegância habitual, discrição e cautela, trata de sua “tão falada (pelos outros) homossexualidade”.
Para ele, Mário era um introvertido agônico, de certo modo dilacerado pelas contradições. Levava uma vida comportada em casa e uma vida boêmia, de um homossexual, de um pansexual, para a qual não havia espaço na época.
Wisnick foi aplaudido de pé no final, ao criticar a redução da maioridade penal do país. Ele destacou a crença de Mário de que “somos um povo criador, capaz de grandes proezas”, e criticou os que querem “fazer de tudo para jogar a população jovem, negra e mestiça no esgoto das prisões”. Após os aplausos, cantou o poema “Garoa do Meu São Paulo”, de Mário.