DANIELA KRESCH
KIBUTZ NIRIM, ISRAEL (FOLHAPRESS) – A sensação é de déjà vu. Um ano depois do conflito entre Israel e o grupo palestino Hamas, que controla a faixa de Gaza, os moradores da fronteira entre os dois territórios temem o recrudescimento da violência.
No último mês, ataques mútuos -agravados por turbulências no norte do Egito-, quebraram a calmaria vivida desde o fim da guerra, que durou de 8 de julho a 26 de agosto, deixando 2.251 mortos palestinos e 71 israelenses.
A única certeza é que a próxima rodada do conflito, a quarta desde 2008, é questão de (pouco) tempo.
“É como a reprise de um filme. Minha filha já se prepara para os próximos ataques”, diz a israelense Anat Heffetz, diretora do kibutz Nirim, a 1,5 quilômetro da fronteira, que foi bombardeado com cerca de cem foguetes e morteiros de grupos armados palestinos nos 50 dias do conflito.
De agosto de 2014 até junho deste ano, a fronteira viveu um de seus períodos mais calmos. Mas isso não impressiona o major Nir Peled, vice-comandante da Divisão Gaza do Exército de Israel.
“Em 12 anos, foi a fase mais tranquila, mas sabemos que o Hamas está reconstruindo os 34 túneis subterrâneos que destruímos, além de estar treinando militantes. Tudo pode recomeçar a qualquer momento”, disse Peled à reportagem na porta de um túnel, de três quilômetros, cuja saída fica no kibutz Ein Hashlosha, a 1,5 quilômetro de Gaza.
O conflito de 2014 teve como semente o assassinato de três jovens colonos na Cisjordânia pelo Hamas, em 12 de junho. A morte de um jovem palestino por judeus em Jerusalém em 2 de julho, por vingança, levou à escalada e à guerra, na qual palestinos lançaram 4.844 projéteis contra Israel e o Exército israelense causou destruição atingindo 5.263 alvos em Gaza.
Nas últimas semanas, esse roteiro parece se repetir. Houve dois casos de esfaqueamento de soldados e quatro de disparos contra civis israelenses na Cisjordânia desde 20 de junho, com dois mortos. Em alguns casos, o Hamas assumiu a autoria.
Paralelamente, as sirenes antimísseis soaram seis vezes nas 57 comunidades israelenses da fronteira com Gaza. A cada sirene, os cerca de 60 mil mil moradores têm segundos para buscar abrigos antiaéreos.
TRAUMA DE GUERRA
Depois de cada disparo, o Exército de Israel retaliou com ataques aéreos a Gaza. As explosões foram suficientes para causar flashbacks no 1,8 milhão de palestinos, muitos com TEPT (transtorno de estresse pós-traumático).
“Com a nova escalada, muitas crianças voltaram a apresentar sintomas de trauma. Estão regressando”, conta o psicólogo palestino Hasan Zeyada, do Programa Comunitário de Saúde Mental de Gaza (PCSMG), que trata 1.370 pessoas desde o conflito do ano passado.
Dos pacientes, 46% são crianças, metade delas diagnosticadas com TEPT. Os sintomas são pesadelos, medo constante, retração, hiperatividade, inquietação, falta de concentração, fadiga, perda de apetite e agressividade.
“Elas já enfrentaram três guerras desde 2008. Junte-se a isso o clima em Gaza, a economia em frangalhos, desemprego (45%), falta de luz. Será uma geração perdida, que não acredita na paz”, diagnostica o psicólogo.
Do lado israelense da fronteira, o número de pessoas que buscam apoio por TEPT também disparou: aumentou 300% (crescimento de 65% entre crianças). “Psicologicamente, as pessoas não estão nada bem”, diz Heffetz. “Muitas famílias deixaram a região.”
Na fase pós-conflito, Gaza vive um cotidiano de dificuldades. O Hamas passa uma fase difícil depois de perder o apoio do Irã e da Síria (por apoiar os rebeldes na guerra civil síria). Há eletricidade só de seis a oito horas por dia.
Cerca de 900 mil pessoas recebem ajuda humanitária da ONU. As promessas de verbas de países como o Qatar não foram cumpridas.
Israel, que controla as fronteiras da faixa de Gaza, permite a entrada diária de 700 caminhões com 1,6 tonelada de mantimentos.
Para o historiador israelense Uri Rosset, da Faculdade Sapir, o Hamas é um grupo racional e não se apressará a cutucar Israel porque a destruição em Gaza foi tremenda. “Mas o problema são fatores irracionais, como lobos solitários ou outros grupos armados”, diz o historiador.
AMEAÇA DO EI
Um desses fatores pode ser o Estado Islâmico (EI), que está cada vez mais presente na Península do Sinai (norte do Egito). Alguns sustentam que o Hamas colabora com o EI, mas isso não está claro.
Em vídeo divulgado na terça-feira (30 de junho), porta-vozes do EI disseram que o próximo alvo do grupo seria justamente o Hamas (repudiado por não ser islâmico o suficiente). “A sharia (lei islâmica) será implementada em Gaza, apesar de vocês”, avisou o vídeo.
Na quarta-feira (1º), o Sinai foi sacudido por uma série de ataques do EI contra tropas egípcias. As explosões foram ouvidas tanto em Gaza quanto em Israel. Na sexta (3), um foguete disparado do Sinai atingiu Israel e um grupo salafista (aliado ao EI) desconhecido assumiu a autoria.
Em meio a tudo isso, os moradores da fronteira entre Israel e Gaza ficam em compasso de espera. É o caso do argentino-israelense Danny Cohen, morador do kibutz Ein Hashlosha.
Para Cohen, Israel deveria deixar de lado a picuinha com o Hamas e negociar com o grupo: “A solução para isso é política, não militar. É preciso negociar com o Hamas antes que no lugar dele entre algo pior.”