SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, ameaçou nesta terça-feira (28) encerrar o processo de paz com militantes curdos e fez um apelo ao Parlamento para que retire a imunidade judicial de políticos ligados a “grupos terroristas”.
Enquanto isso, a Otan (aliança militar do Ocidente) realiza uma reunião de emergência para analisar a ameaça da facção Estado Islâmico (EI) à Turquia.
“Não é possível para nós continuar o processo de paz com aqueles que ameaçam nossa unidade nacional”, disse Erdogan em entrevista coletiva na capital Ancara, antes de partir para uma visita oficial à China.
A Turquia lançou negociações com os curdos em 2012 para tentar acabar com uma insurgência do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão, considerado uma organização terrorista pelo governo turco) que já deixou mais de 40 mil mortos desde 1984, principalmente no sudeste do país. Os curdos reivindicam a criação de um Estado autônomo que abrangeria parte do território turco.
Após o pronunciamento de Erdogan, o porta-voz do AK, Besir Atalay, disse que o processo de paz pode continuar caso “elementos terroristas” abaixem suas armas e deixem o país.
“Não podemos dizer que o processo de paz está de fato encerrado. No momento, há uma estagnação nesse mecanismo mas ele pode recomeçar de onde parou caso surjam essas intenções”, disse Atalay.
Um frágil cessar-fogo vinha se mantendo desde março de 2013, mas as tensões entre o governo turco e os curdos voltaram a se intensificar na semana passada.
Nos últimos dias, militantes curdos realizaram ataques contra policiais e soldados turcos como suposta retaliação a um ataque suicida realizado pelo EI no sul do país -os curdos acusam o governo de Erdogan de apoiar o EI. Nesta terça, o Exército turco confirmou a morte de um sargento de infantaria após ser supostamente baleado por militantes curdos próximo à fronteira com o Iraque.
Por sua vez, a Força Aérea da Turquia bombardeou há alguns dias campos do PKK no norte do Iraque. O PKK disse que os ataques aéreos tornaram o processo de paz sem sentido, mas não chegou a anunciar oficialmente que estava se retirando das negociações.
Alguns curdos dizem que ao reavivar o conflito aberto com o PKK, Erdogan busca elevar o sentimento nacionalista e minar o apoio ao partido de oposição pró-curdos HDP antes de uma possível eleição antecipada. O HDP ganhou cadeiras no Parlamento pela primeira vez nas eleições de junho, enquanto AK perdeu sua maioria, representando um importante revés para o governo.
“Nós não cometemos crimes imperdoáveis. Nosso único crime foi ganhar 13% dos votos”, disse nesta terça o presidente do HDP, Selahattin Demirtas. Ele é acusado por Erdogan de ter relações com “grupos terroristas”.
Erik Meyersson, professor assistente da Escola de Economia de Estocolmo (Suécia), avaliou em um artigo publicado em seu blog que os ataques de Erdogan em relação aos curdos visam enfraquecer o HDP.
“Ao atacar o PKK, o governo turco está pressionando o HDP a escolher um lado: ou exigir que o PKK cesse a violência, o que poderia levar a uma divisão em sua base eleitoral curda, ou adotar uma retórica pró-curda, o que poderia irritar a opinião pública turca e o judiciário do país -o qual tem um longo histórico de vetos a partidos e políticos curdos.”
OTAN
A Otan expressou nesta terça “forte solidariedade” com a Turquia após uma reunião de emergência em Bruxelas, na Bélgica. O encontro foi convocado a fim de discutir a ameaça representada pelo EI à segurança da Turquia, assim como recém-anunciado plano do governo turco para estancar o avanço dos radicais na Síria.
Embora a aliança tenha reafirmado seu apoio à Turquia, representantes exigiram que o país não faça uso excessivo da força ao combater o EI e que continue seus esforços de paz com a minoria curda, disse à agência de notícias Associated Press uma autoridade da Otan, que pediu anonimato.
Desde a semana passada, a Turquia tem realizado ataques aéreos contra posições do EI e dos curdos na Síria e no Iraque, sendo que as tropas curdas têm representado a principal frente no batalha por terra contra o EI na Síria.
É somente a quinta vez nos 66 anos de história da Otan que ocorre esse tipo de reunião de emergência. A conferência foi convocada pela Turquia sob o artigo 4 do tratado constitutivo da aliança, segundo o qual os 28 Estados membros podem ser consultados quando considerarem que sofrem ameaças sobre sua “integridade territorial, independência política ou segurança”.