ISABEL FLECK SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A prisão de 15 ativistas angolanos há pouco mais de um mês chamou a atenção de artistas e organizações de defesa dos direitos humanos de países lusófonos para a situação de crescente repressão, por parte do governo de José Eduardo dos Santos, sobre seus opositores. Numa campanha lançada na última semana, os escritores Mia Couto (Moçambique), José Eduardo Agualusa (Angola) e Lourenço Mutarelli (Brasil), o cantor brasileiro Chico César e a viúva do escritor José Saramago, Pilar del Río, se uniram a ativistas angolanos em três vídeos pedindo a libertação dos 15 detidos. “Desde a sua detenção, há mais de um mês, ainda não foi apresentada nenhuma prova”, diz o texto lido pelos artistas. “Os jovens presos lutam por uma Angola democrática, pacífica e socialmente mais justa. Nós também.” A campanha ganhou ainda o apoio do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, que, em carta aberta ao presidente angolano, pediu um “julgamento célere, nos tempos previstos na lei e concretizando as normas constitucionais” e o “habeas corpus já acionado” para os 15 ativistas. O movimento tem dado, aos poucos, visibilidade internacional aos protestos organizados pelas redes sociais na capital, Luanda, e em cidades menores. O último deles, marcado para a tarde desta quarta-feira (29) no largo da Independência, em Luanda, foi reprimido pela polícia com bombas de gás e cães antes mesmo de começar. Imagens de um manifestante com um ferimento na cabeça circularam pelas contas de ativistas angolanos no Facebook e no Twitter. Segundo o jornalista Rafael Marques de Morais, fundador do blog Maka Angola -conhecido por revelar escândalos e denúncias sobre o governo angolano-, oito pessoas que se preparavam para a manifestação foram presas ainda pela manhã. “A detenção não nos intimida. Ela é a prova de que estamos vivendo uma ditadura”, diz Pedro Malembe, um dos organizadores da manifestação desta quarta. Santos, 72, está no poder há 35 anos. Em comunicado, a Anistia Internacional havia pedido que as forças de segurança angolanas permitissem “aos cidadãos exercerem livremente o direito de reunião” durante os protestos desta quarta. “A organização mantém uma campanha intensa a favor dos quase 20 ativistas e cidadãos angolanos que foram detidos ao longo dos últimos meses por simplesmente exercerem o seu direito de liberdade de expressão e liberdades fundamentais de cidadania”, disse a Anistia, na nota. Entre os 15 detidos em 20 de junho, que têm idades entre 18 e 37 anos, estão o rapper Luaty Beirão e o ativista Nito Alves. Eles fazem parte do Movimento de Jovens Revolucionários Angolanos (MJRA). Segundo os opositores, o grupo estava reunido para uma sessão de leitura de livros em Luanda quando foram presos. Eles estariam em solitárias, segundo Morais, de onde só saem durante uma hora por dia. “Passam 23 horas fechados na cela e na hora do banho de sol não podem falar com ninguém. Isso é tortura psicológica”, disse. O governo, por sua vez, acusa o grupo de tramar um golpe de Estado. “Eles queriam alterar o presente quadro e, portanto, houve de fato a necessidade de intervenção para não permitir que ocorresse uma insurreição na sociedade, uma situação em que qualquer um de nós não saberia o que fazer”, disse o vice-procurador-geral da República, Hélder Pita Grós, à rede de TV estatal TPA na última terça (28). “Temos de diferenciar as coisas. Uma questão é a liberdade de as pessoas poderem expressar as suas opiniões e outra questão é as pessoas pensarem e procurarem de alguma forma realizar ações, com vistas a materializar aquilo que têm como pensamento”, completou. Para o escritor brasileiro Lourenço Mutarelli, que participou da campanha a convite do escritor e poeta angolano Ondjaki, o motivo pelo qual o grupo foi preso é “injustificável”. “Não sei se isso [o vídeo] muda alguma coisa, mas também ficar quieto não muda nada”, disse à Folha. “Foi uma forma de me solidarizar.” OUTROS CASOS A prisão dos 15 membros do MJRA se soma a outras detenções recentes de opositores no país. Desde março, estão detidos os ativistas Marcos Mavungo e Arão Bula Tempo na província de Cabinda, um enclave limitado ao norte pela República do Congo e a leste e ao sul pela República Democrática do Congo. Só no fim de junho, contudo, eles receberam uma acusação formal: rebelião. Morais também sentiu na pele a repressão do governo. Ele respondeu a 24 acusações de difamação pela publicação do livro “Diamantes de Sangue, Corrupção e Tortura em Angola” -sobre a corrupção e violações dos direitos humanos alegadamente cometidos pelos generais do Exército angolano e empresas que atuam no ramo de diamantes no país. Foi condenado a seis meses de prisão em maio, mas sua pena foi suspensa sob a condição de que ele retire até o fim do ano seu livro de circulação -algo que o jornalista diz ser impossível. CRISE ECONÔMICA Para os grupos de ativistas, é claro que o endurecimento da repressão por parte do governo está intimamente ligado à crise da economia, dependente do petróleo. “Com a queda dos preços e com os níveis extraordinários de corrupção, o presidente não dá resposta para a crise porque não há diversificação da economia. Esses jovens, então, ao fazerem um discurso antirregime poderiam ter muito mais legitimidade em meio ao descontentamento das pessoas com o governo”, afirma Morais. BRASIL Para o ativista angolano José Patrocínio, da ONG Omunga, seria “ideal” que um país como o Brasil se “pronunciasse contra violações de direitos humanos” em Angola. “Mas nós temos dificuldades de acreditar que [o Brasil] vai tomar posição. Os governos apenas tomam o partido de suas empresas [em Angola] e depois seguem sua vida”, disse Patrocínio. Consultado pela Folha sobre a posição do governo brasileiro diante das prisões de ativistas, o Itamaraty disse que o Brasil “reserva seus comentários sobre a situação interna de direitos humanos em outros países para o momento da análise do país em questão” no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra.