No início da carreira, o rosto angelical de Bruno Gagliasso escondia o talento do ator para os vilões. Certamente, os galãs lhe cairiam melhor, era mais fácil pensar. Bruno, no entanto, surpreendeu. Após elogiado desempenho como o serial killer Edu na série Dupla Identidade, de Glória Perez, exibida em 2014 (e lançada agora em DVD), o ator, de 33 anos, está no ar na faixa das 21h, na Globo, em Babilônia, como o mau caráter Murilo.

Mas Bruno chamou atenção ainda com os personagens polêmicos, como o do homossexual Júnior, que se apaixona pelo peão Zeca em América (2005) — e que quase protagonizou o primeiro beijo gay na TV, se a cena não tivesse sido vetada. E pelos papéis complexos, como o do esquizofrênico Tarso, em Caminho das Índias (2009), novela de sucesso de Glória que voltou a reprisada desde esta segunda-feira, 27, no Vale a Pena Ver de Novo, na Globo.

Seu personagem Tarso volta ao ar com a reprise de Caminho das Índias. Qual foi o desafio de fazer o papel de um esquizofrênico?
Bruno Gagliasso — O desafio foi muito grande, mas lembro também que não poupei esforços na preparação para poder ser o mais verossímil possível Fiz um blog de estudos na época, em que recebi mensagens e depoimentos de centenas de pessoas. Eu e Glória (Perez) fomos a vários hospitais psiquiátricos. O que os portadores de esquizofrenia sofrem é pior que preconceito, é uma forma cruel de ignorância, mas acredito que a novela tenha cumprido seu papel ao trazer luz sobre a questão.

Você tinha receio em não dar o tom certo ao personagem?
Gagliasso — Quando recebi o convite para este personagem, todo mundo falou que eu teria que ir a um psicólogo. Fui estudando, estudando e descobri que, na verdade, o meu maior psicólogo era o estudo que eu estava fazendo sobre aquele personagem. Foi por meio dele que consegui encontrar o tom do Tarso. O estudo, os livros que eu lia, os filmes a que eu assistia, os psicólogos com os quais eu conversava eram o que me centrava, que me trazia para a realidade. Eu jamais poderia ter chegado àquele descontrole se eu não tivesse controle absoluto do que estava fazendo.

Você está no ar como o mau caráter Murilo, na novela das 9, Babilônia. Nesse caso, como foi a construção do personagem?
Gagliasso — Como sempre, com muito estudo, referências, trabalhando acima de tudo com o texto da novela e com meu trabalho de construção desse personagem específico. Eu vinha de um outro personagem muito marcante, frio e preciso, que foi o Edu, de Dupla Identidade. Com o Murilo, eu quis colocar uma outra energia, mais quente, e acho que foi isso que deu o tom.

Na novela América, o beijo gay de seu personagem Júnior foi gravado, mas não foi ao ar. Com o beijo de Mateus Solano e Thiago Fragoso, em Amor à Vida, parecia que havia se ultrapassado uma barreira. Só que o beijo de Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg, em Babilônia, causou controvérsia. Você acha que o Brasil ‘encaretou’, como disse Gilberto Braga?
Gagliasso — Estamos vivendo, sim, uma onda de conservadorismo, ‘encaretar’ é pouco. A histórica falta de investimentos em educação, tanto econômicos quanto intelectuais mesmo, a falta que um Paulo Freire faz, a falta do que o que o (senador e ex-ministro da Educação) Cristovam Buarque poderia estar fazendo caso deixassem ele trabalhar faz, a falta do básico e do que vai além do básico chegaram num nível tal que a população já não tem mais grandes fontes ou inspirações de livre pensamento. Por um lado, estou pessimista em relação ao conservadorismo, mas, por outro, vou seguir batendo pé para que a arte mantenha seu espaço. Temos que estimular o livre pensamento, a liberdade artística e a liberdade de viver como se quer.

Na série Dupla Identidade, você fazia um personagem com desvio de caráter, naquele caso um serial killer. Teve receio de emendar dois personagens tão perversos em tão pouco tempo: primeiro Edu e agora Murilo?
Gagliasso — São personagens diferentes, mas igualmente complexos, que requisitam muita energia e foco do ator. Depois do Edu, de Dupla Identidade, entrei em um processo para ‘descompor’ o personagem com o preparador de elenco da novela, o Sérgio Penna. O Edu era um psicopata, um ser que não se compara com nenhum outro, e o Murilo usa outro tipo de conquista e abordagem para aliciar as meninas.

Para Dupla Identidade, a autora Glória Perez cogitou procurar outro ator para o papel, mas você insistiu para fazer o teste. Por que batalhou tanto para fazer esse personagem?
Gagliasso — Na verdade, eu pedi para fazer o teste. Eles não me queriam para o papel porque me achavam muito novo. Adoro o formato de série, sou viciado em suspense. Gosto de personagens complexos, que me exijam estudo, preciso do risco. O Edu é aquele personagem que todo ator quer fazer. Gosto de mexer com quem me assiste, de ‘problematizar’, levantar questões. Acho que essa é uma das funções da carreira de ator. Edu mudou minha vida!

Se houvesse uma segunda temporada de Dupla Identidade, você toparia voltar a fazer o Edu?
Gagliasso — Claro! Edu é, sim, meu personagem favorito.