Como em diversas atividades humanas, a aviação nos surpreende pelo inusitado de alguns acidentes. Ao mesmo tempo em que observamos os incríveis avanços na automação e na aviônica de bordo, nos deparamos com acidentes que desafiam nossa condição de senhores do ar.
E acidentes que desafiam nossa compreensão se sucedem com relativa constância, como podemos observar um exemplo que completa dez anos. Em Agosto de 2005, uma aeronave Boeing-737 da companhia Helios Airways, da Grécia, chocou-se contra uma montanha, após cerca de três horas de voo. O inusitado é que o acidente não ocorreu devido às condições meteorológicas, tampouco por causa de uma falha mecânica da aeronave. Em seus últimos momentos foi inclusive acompanhada por dois caças da Força Aérea Grega, que nada puderam fazer para evitar a colisão.
O que levou o Boeing da Helios a chocar-se contra a montanha foi uma série de erros humanos, desde a manutenção da aeronave até sua operação. Resumidamente, o que ocorreu foi que, para ser efetuado um teste de pressurização no solo, o sistema de pressurização foi colocado em uma situação de segurança, em que os alarmes e a queda automática de máscaras de oxigênio da aeronave ficaram desabilitados.
Este procedimento de manutenção não está errado – o erro foi ter permitido que a aeronave retornasse ao voo com o sistema de pressurização nestas condições, fazendo com que, ao subir, não ocorresse a pressurização da cabine da aeronave, impedindo que os alarmes soassem e que as máscaras caíssem automaticamente para os passageiros e os tripulantes. Assim, à medida que a aeronave subia, os passageiros e tripulantes adormeciam, devido à falta de oxigênio. E a aeronave voou até o final do combustível, com todos a bordo adormecidos/inconscientes, descendo então para colidir com a montanha.
A aviação, especialmente no que se refere às empresas aéreas, é uma atividade muito profissional, com procedimentos especificados para cada situação. Não por outro motivo é o meio de transporte mais seguro que existe, mesmo com a enorme quantidade de voos que ocorrem a cada dia no globo. Ainda assim, falhas eventualmente ocorrem, com resultado, muitas vezes, fatal.
Diferentemente de outras atividades, no entanto, na aviação os acidentes são extensamente investigados, com o propósito de se evitar que se repitam – e esta é, talvez, a chave da segurança na aviação. O Brasil, por exemplo, está muito bem neste quesito, pois registrou 0,19 acidentes por um milhão de decolagens em 2014, enquanto a média mundial está em 0,39 acidentes por um milhão de decolagens. Em outras palavras, hoje, para que aconteça um acidente aéreo no Brasil é necessário que ocorram mais de 5 milhões de decolagens.
Ainda assim, medidas novas e novos procedimentos são criados, a cada nova ocorrência, para que procedimentos simples não se tornem tragédias. O objetivo é sempre o zero acidente e as constantes campanhas referentes ao descanso das tripulações, ao período máximo de trabalho para os especialistas em manutenção e a crescente capacitação das pessoas têm colaborado para a redução da sua ocorrência.
Mesmo sabendo que em qualquer atividade humana o erro é passível de acontecer e que provavelmente nunca atingiremos a segurança absoluta, o importante é o continuo trabalho profissional de homens e mulheres, com o objetivo de fazer com que os acidentes inusitados sejam cada vez mais raros.

Fábio Augusto Jacob é coordenador e professor da Academia de Ciências Aeronáuticas Positivo (ACAP) do Centro Tecnológico Positivo e Oficial-Aviador aposentado da Força Aérea Brasileira