PAULA SPERB
PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – Com oito anos de trabalho na Brigada Militar (a PM gaúcha), a soldado Viviane Contessa, 34, sofreu uma humilhação pela primeira vez no último sábado (29). Viviane fazia o policiamento na área central da pequena cidade de Santiago (a 364 km de Porto Alegre) quando três jovens com cerca de 20 anos de idade a provocaram: “Será que eles aceitam cesta básica de doação?”.
Viviane conta que o comentário, seguido de olhares e risos irônicos, fizeram-na baixar a cabeça, envergonhada.
Os rapazes se referiam ao salário dos servidores públicos estaduais do Rio Grande do Sul, que foi parcelado nos últimos dois meses. Na segunda (31), os funcionários receberam apenas R$ 600 -o restante do salário de agosto virá em três parcelas, até o final de setembro.
Um dia depois da piada, a policial desabafou em uma rede social e seu depoimento foi compartilhado mais de 8.000 vezes.
“Só me deu vergonha e vontade de chorar. Foi então que percebi que naquele momento meu lado polícia não estava ali me acompanhando, então o desespero foi maior. Tiraram tudo de nós, mas o que mais está doendo é que tiraram nossa dignidade”, escreveu Viviane.
Ela diz que com o valor recebido vai priorizar a alimentação dos filhos, de 14 e 10 anos. Para as demais contas usará seu cartão, “se não estiver bloqueado”. A preocupação com as contas a pagar, diz, tem atrapalhado seu sono.
“Tudo na vida gira em torno do salário. Até mesmo os remédios que tive que comprar”, diz Viviane, que teve febre e inflamação na garganta. A policial acha que os sintomas são decorrentes de “abalo psicológico” e agora está em casa, por recomendação médica.
CARREIRA
A soldado conta que sonhava desde os sete anos de idade com a carreira militar. A vontade surgiu ao ver pela primeira vez um brigadiano (como os PMs são chamados no Sul) trajando farda e capacete branco. Na época, sua mãe achou graça porque mulheres ainda não faziam parte da BM.
O sonho se realizou muitos anos depois, quando Viviane já tinha dois filhos.
Desde que o depoimento da soldado fez sucesso, pelo menos mais um policial militar publicou um desabafo na internet. O sargento Braulio Santana Pedroso, 42, de Canoas (região metropolitana de Porto Alegre) gravou um vídeo em que pede compreensão aos colegas e conta que gastou os últimos R$ 50 em combustível.
“Vou de ônibus, vou de bicicleta, vou a cavalo, mas vou ir [trabalhar]”, diz o sargento. O vídeo foi visto mais de 200 mil vezes.
POLICIAIS AQUARTELADOS
Com protestos de familiares e sindicalistas de outras categorias em frente aos batalhões da Brigada Militar, policiais da corporação deixaram de sair dos quartéis na manhã desta terça-feira (1º), no Rio Grande do Sul.
A orientação da Abamf (Associação dos Servidores de Nível Médio da Brigada Militar) e da ASSTBM (Associação dos Sargentos, Subtenentes e Tenentes da Brigada Militar) é para que os policias fiquem “aquartelados” e só atendam emergências.
Nos casos urgentes, apenas os carros regularizados poderão fazer o atendimento.