ANDERSON FIGO SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A deterioração do cenário fiscal brasileiro e sinais de desaquecimento da indústria chinesa levaram o dólar ao maior valor em quase 13 anos nesta terça-feira (1º) e derrubaram o principal índice da Bolsa brasileira, que fechou em baixa pelo terceiro dia. Segundo analistas, o mercado seguiu repercutindo negativamente a proposta de Orçamento do governo para 2016, entregue na véspera ao Congresso. O documento prevê deficit de R$ 30,5 bilhões no período. O dólar comercial, utilizado em transações de comércio exterior, fechou em alta de 1,57% sobre o real, cotado em R$ 3,686 na venda. É o maior valor desde 13 de dezembro de 2002, quando terminou cotado a R$ 3,740 -ou R$ 6,15 hoje, após ajuste inflacionário. A moeda chegou a bater R$ 3,705 na última hora de negociações. Já o dólar à vista, referência no mercado financeiro, subiu 1,16% no dia, para R$ 3,675 na venda -também é o maior valor desde 13 de dezembro de 2002, quando valia R$ 3,730 (ou R$ 6,14 hoje). No mercado de ações, o Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira fechou a terça-feira em queda de 2,46%, para 45.477 pontos. O volume financeiro foi de R$ 6,763 bilhões. Foi a terceira queda consecutiva do indicador, que ampliou a desvalorização acumulada no ano para 9,06%. “[A proposta de Orçamento com deficit para 2016] pegou muito mal. Na minha visão, consolidou o cenário de corte de ‘rating’ do país no futuro. Não me surpreenderia se [a redução na nota de risco do Brasil] acontecesse ainda neste ano”, disse Carlos Müller, analista-chefe da Geral Investimentos. O receio é que o Brasil acabe perdendo o chamado grau de investimento, uma espécie de selo de bom pagador atestado por agências internacionais de classificação de risco. A perda forçaria grandes fundos a retirar investimentos que possuem no país, agravando ainda mais o cenário econômico. “A previsão de deficit no Orçamento ressalta mais uma vez a dificuldade enfrentada pela equipe econômica para implementar as medidas de ajuste fiscal necessárias para que seja resgatado o controle das contas públicas”, disse Linican Monteiro, executivo da equipe de análises da Um Investimentos. Em relatório, o analista Celson Plácido, da XP Investimentos, avaliou a proposta de Orçamento apresentada pelo governo na véspera como uma desistência “do compromisso alardeado pelo Banco Central desde o fim do ano passado de levar a inflação ao centro da meta, de 4,5%, ao fim de 2016.” META FISCAL O Itaú Unibanco disse em nota que a medida “indicou uma diminuição significativa no esforço fiscal” do governo. “Enfatizamos que na ausência de maior esforço fiscal, a tendência é de queda no resultado primário. Mesmo com a manutenção do esforço fiscal, havia desafio para os futuros resultados. Agora, sem o esforço, o cenário se torna ainda mais desafiador”, avaliou o economista Luka Barbosa. Barbosa ressaltou que o gasto federal para o ano que vem foi orçado em R$ 56 bilhões acima da projeção do banco, o que levou o Itaú a elevar sua expectativa de deficit primário a 1% do PIB em 2016, contra expectativa anterior 0,2%, após deficit de 0,3% em 2015. Em comentários por e-mail, a analista Shelly Shetty, da agência de classificação de risco Fitch Ratings, sinalizou preocupação com o novo cenário fiscal do governo para o próximo ano. “Essas revisões [na meta de economia do governo para pagar sua dívida] colocam a tendência para obtenção de superavits primários muito abaixo do cenário-base usado pela Fitch em abril”, disse. Na época, a agência havia revisado a perspectiva do rating brasileiro para negativa, mantendo a nota “BBB” -a penúltima classificação dentro da faixa considerada como grau de investimento. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, defendeu nessa sessão o esforço fiscal do governo. “Evidente que se a casa não estiver em ordem é impossível crescer, é impossível ter confiança e a gente vai ver o dólar disparar”, disse em audiência na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara Federal. CHINA No exterior, as principais Bolsas internacionais fecharam no vermelho, depois que a atividade no setor industrial da China encolheu à taxa mais forte em ao menos três anos em agosto, de acordo com o Índice de Gerentes de Compras (PMI, na sigla em inglês) oficial. A desaceleração da segunda maior economia do mundo pressionou para baixo as cotações das commodities, derrubando ações de empresas de grandes produtores de matérias-primas. As ações preferenciais da Petrobras, mais negociadas e sem direito a voto, caíram 6,53%, para R$ 8,59. Parte do movimento, segundo analistas, refletiu uma correção das fortes altas registradas nas últimas cinco sessões. Também em baixa, as ações preferenciais da mineradora Vale encerraram o dia com desvalorização de 2,61%, para R$ 13,78. Já os papéis ordinários da companhia, com direito a voto, recuaram 4,58%, para R$ 17,10 cada um. Os bancos tiveram um dia negativo, e ajudaram a manter o Ibovespa no vermelho. Este é o setor com maior peso dentro do índice. O Itaú caiu 2,37%, enquanto a ação preferencial do Bradesco registrou baixa de 2,86% e o Banco do Brasil perdeu 2,58%. Quem liderou a ponta negativa do Ibovespa foi o papel da Smiles, com desvalorização de 8,70%, para R$ 43,68. A ação acompanhou a baixa de 8,17% de sua controladora, a Gol, para R$ 3,82. A companhia aérea informou nesta terça-feira que concluiu a contratação de empréstimo de US$ 300 milhões por meio da subsidiária Gol LuxCo, em operação que faz parte dos acordos com a parceira americana Delta Air Lines para reforçar sua liquidez. Do outro lado da Bolsa, as siderúrgicas ganharam destaque. Gerdau subiu 4,19%, para R$ 5,47, enquanto a ação preferencial da Usiminas fechou a sessão com ganho de 4,03%, a R$ 3,10.