*Marcelo Sampaio Pissetti

A MP 685 instituiu obrigação acessória, que sujeita o contribuinte a informar à RFB operações que acarretem supressão, redução ou postergação de pagamento de tributos, quando essas não possuírem razões extratributárias relevantes, utilizarem-se de formas não usuais ou de negócio jurídico indireto ou simulado, ou ainda se praticar operações a serem especificadas pelo órgão.

Sua finalidade é criar procedimento para desconstituição de planejamentos tributários abusivos, lembrando que isso não é novidade: o Código Tributário Nacional já prevê a desconsideração de operações que se utilizem de negócio jurídico indireto ou simulado.
Embora a RFB defenda a auto-aplicabilidade dessa regra, a lei condiciona sua efetividade à previsão legal de procedimento administrativo, cautela que o Poder Executivo já tentou introduzir no ordenamento por meio da MP 66/2002.
Essa norma previa procedimento administrativo visando desconstituir operações não imbuídas de propósito negocial – conceito de que o planejamento deve possuir finalidade econômica alheia a redução da carga tributária.
Ocorre que a MP de 2002, no que concerne a esse aspecto, não foi convertida em Lei, de modo que o requisito previsto no CTN ainda inexiste no ordenamento jurídico.
Ignorando tal fato, a RFB vem descaracterizando qualquer operação que acarrete redução da carga fiscal que não implique resultado não tributário.
Na tentativa de legitimar sua atuação, o órgão recentemente forçou a edição da MP 685, que, ao invés de prever um processo, meramente impôs ao contribuinte o dever de prestar declaração que tem por utilidade antecipar os efeitos de uma possível fiscalização.
Ora, é evidente que mera declaração não se confunde com procedimento, pois esse é instrumento ao qual se subordina o cumprimento de atos de um processo, que, de acordo com a doutrina, e por expressa ordem Constitucional, é meio que deve obedecer o direito ao contraditório e à ampla defesa.
Ainda, destaca-se a imprecisão terminológica e conceitual do diploma legal, porquanto o termo planejamento tributário diz respeito a um ato lícito e de direito, praticado pelo contribuinte no sentido de otimizar suas atividades, reduzindo-se a carga tributária. A atividade ilícita, que culmina na evasão fiscal, objeto da Medida Provisória, não é abrangida pelo termo.
De um fato não há dúvidas: a MP 685 não se basta a regulamentar o procedimento de desconsideração de planejamentos tributários, nos termos do CTN, de forma que se conclui que, mais uma vez, perdeu-se uma excelente oportunidade de conferir pacificação à temática e garantir um mínimo de segurança jurídica aos contribuintes e respeito a princípios necessários à efetivação da justiça tributária.
Em lugar de mirar o exemplo da Europa, onde o Fisco incentiva o planejamento tributário, fomentando a eficiência e empreendedorismo, novamente a agressividade fiscal promete infindáveis discussões.
É que, nos bastidores, se observa muitas empresas consultando advogados a fim de tomar medidas legais no sentido de se exonerar da obrigação de entrega da declaração, com fundamento em uma possível inconstitucionalidade da norma: além de ferir os princípios básicos do processo, a MP trás diversos conceitos subjetivos, que dão margem de interpretação e discricionariedade ilimitada ao Fisco.
Assim, por bem ou por mal, a MP 685, antes mesmo de chegar à votação no Congresso para conversão em Lei, já promete longas batalhas judiciais.

*O autor é trainee no escritório Marins Bertoldi Advogados Associados, em Curitiba


Direito e política

O caráter dos nossos filhos

Carlos A. Vieira da Costa

Desde o início da Operação Lava Jato dizia-se que se Lula resistisse à delação dos executivos da Petrobras e das empreiteiras, não passaria incólume à prisão de Marcelo Odebrecht, o príncipe dos príncipes. Em 19 de junho Marcelo foi preso e começou a contagem regressiva. Passaram-se dias, semanas, e nada. Ontem, porém, com a previsão da sua oitiva na CPI da Petrobrás, de novo soou o alarme, e o que sucedeu? Marcelo falou pouco, mas fez questão de marcar sua posição afirmando que quem delata é dedo-duro, e seus valores morais não lhe permitem este tipo de conduta.
Na verdade a menção a este fato não tem por objetivo adentrar nos meandros da Lava Jato, mas sim de abordar outro tema bem menos prosaico: a forma como as culturas avaliam e estratificam os valores que conformam o caráter de seus membros, e a traição certamente está entre as hipóteses mais severamente censuráveis em todas, ou quase todas.
O Cristianismo, por exemplo, nos seus primórdios, já demarcou posição a partir da narrativa da traição perpetrada por Judas Iscariotis em troca de trinta moedas de prata. O estigma persiste até os tempos atuais como demonstra a tradicional malhação de Judas no sábado de aleluia.
O poderoso império romano, antes mesmo de Cristo, também já desprezava traidores, como demonstra o episódio já narrado nesse espaço, quando deixou de pagar pela cabeça de Viriato, morto por seus companheiros, sob a máxima de que Roma não paga traidores.
Por fim, até mesmo a Máfia Siciliana, conhecida por seu rígido código de conduta, que incluía o respeito à mulher do próximo (vide cristianismo) e a fidelidade conjugal como deveres morais, tinha na omertá – a lei do silêncio – seu mandamento máximo.
Portanto, nesses tempos bicudos onde as delações premiadas são a tônica de qualquer mesa bar, fila de padaria ou ciranda de roda, vale uma reflexão sobre quais lições daremos aos nossos filhos. Afinal, ladrões e corruptos são deletérios, mas contra eles sempre temos uma chance de defesa. Já contra os traidores não, pois eles comem à nossa mesa, andam ao nosso lado e velam o nosso sono.

Carlos Augusto Vieira da Costa Procurador do Município de Curitiba


Painel Jurídico


Erro médico

A médica Marta Fragoso, gerente do Núcleo de Gestão e Segurança Assistencial do Hospital VITA, participa como palestrante na III Reunião Aberta: O Erro Médico na Prática Oficina de Trabalho – Como ler a documentação médica e desenvolver a estratégia inicial. Ela vai falar sobre casos de infecções relacionadas à assistência à saúde exemplificando possíveis erros médicos. O evento será realizado hoje, a partir das 19h, na sede da OAB/PR.

Estelionato
Advogado que exerce a advocacia estando suspenso pela OAB comete crime de estelionato. O entendimento é da 8ª Turma do TRF da 4ª Região.

Violência
Não se pode aplicar o princípio da insignificância em ações que envolvam violência doméstica contra a mulher. O entendimento é da 6ª Turma do STJ.

Curso
Conselho profissional tem de aceitar curso à distância reconhecido pelo Ministério da Educação. O entendimento é da 2ª Vara Federal de Florianópolis.

Músico
Músico estrangeiro não está sujeito ao pagamento de taxa a conselho ou entidade de classe. O entendimento é da 6ª Turma do TRF da 3ª Região.

Seminário
Nos dias 2, 3 e 4 de setembro será realizado em Curitiba o 4° Seminário Brasileiro de Direito Penal Econômico que reunirá importantes nomes do Brasil na área jurídica criminal. Informações: http://www.ibdpe.com .  e (41) 3222-3227


Direito sumular

Súmula nº 505 do STJ- A competência para processar e julgar as demandas que têm por objeto obrigações decorrentes dos contratos de planos de previdência privada firmados com a Fundação Rede Ferroviária de Seguridade Social – REFER é da Justiça estadual.

 


Livro da semana

O modo de vida dos pescadores artesanais deve ser colocado como ponto central na análise do dano ambiental que lhes é causado, tendo em vista a valoração da indenização extrapatrimonial colocada sub judice. A excepcionalidade de sua cultura é o que os diferencia dos demais casos analisados pela jurisprudência. Sua especialização cultural os impede de realizar outros trabalhos, constituir outros meios de sobrevivência, de modo que sua dependência material em relação ao meio em que vivem salienta a gravidade das consequências de um dano ambiental que os atinge e tira o seu sustento. Quando o dano ambiental ocorre no mar ou no rio em que uma comunidade de pescadores artesanais vive, não é apenas sua atividade econômica que fica prejudicada, mas principalmente o seu modo de vida. O sofrimento experimentado pelo pescador artesanal quando submetido a essas situações adversas é desolador, pois o coloca diante da completa destruição de seu modo de ser e de viver.
Devido à extensão do dano causado ao pescador artesanal, esse tipo de prejuízo não pode ser caracterizado simplesmente como dano moral, do mesmo modo que o extravio de uma bagagem na utilização do transporte aéreo ou uma inscrição indevida em cadastros restritivos de créditos. Ao contrário, esta obra procurou demonstrar que os casos pesquisados são peculiares e muito mais importantes para as suas vítimas.

Fernando Murilo Costa Garcia — Dano Ambiental Existencial – Reflexos do Dano aos Pescadores Artesanais — Editora Juruá