GUILHERME GENESTRETI, ENVIADO ESPECIAL
VENEZA, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – Com uma trama sobre escândalos de pedofilia acobertados pelo alto escalão da Igreja Católica em Boston, o filme “Spotlight”, de Thomas McCarthy, roubou os holofotes no segundo dia do Festival de Cinema de Veneza.
Inspirado no caso real ocorrido no início dos anos 2000, o longa adota o ponto de vista de uma equipe de jornalistas investigativos do “Boston Globe” que revelou como a alta cúpula da Igreja tentou esconder dezenas de casos envolvendo padres acusados de molestar crianças e adolescentes na cidade americana e seus arredores.
“Não é apenas a história de um abuso físico, mas de um abuso espiritual”, disse McCarthy na lotada conferência de imprensa que se seguiu à exibição do filme. “Os jovens abusados confiavam muito nos padres e não tinham a quem recorrer sobre os crimes. Se sentiram completamente abandonados.”
Spotlight é o nome da equipe que funciona dentro do jornal até hoje, premiada com um Pulitzer pela cobertura do caso, e que é destacada para grandes reportagens investigativas. Michael Keaton interpreta o chefe do grupo. Mark Ruffalo e Rachel McAdams fazem os repórteres.
E Liev Schreiber vive o novo editor executivo que assume o jornal e incentiva o grupo a vasculhar a história, nunca devidamente esclarecida.
O que o grupo revela é que aquilo que pareciam casos isolados envolvendo poucos padres e garotos em geral desamparados ocultava, na realidade, toda uma rede de cerca de 70 religiosos acobertados pelo cardeal local.
Ou, como os personagens concluem, não apenas um ou outro mal hábito, mas um fenômeno psiquiátrico acontecendo livremente dentro da Igreja.
Estreando mundialmente justo na católica Itália, a equipe do filme foi inundada de questões sobre prováveis reações da Igreja após o seu lançamento.
“O novo papa é extraordinário. Se há alguém que pode ajudar a solucionar esse problema, deve ser ele”, disse o diretor.
Também presente na conferência, o ator Mark Ruffalo se disse pessimista. “Não espero reações da Igreja, mas gostaria que o papa assistisse ao filme”, afirmou.
A equipe do longa também destacou os efeitos que o escândalo real causou em Boston, cidade em que a presença católica é acima da média das grandes metrópoles americanas devido à imigração irlandesa.
“Muitas igrejas fecharam por causa do dinheiro que tiveram de pagar às vítimas”, disse McCarthy. “Com isso, cada vez mais pessoas se sentiram livres para se abrir e denunciar outros casos de abusos.”
Focado nos bastidores da cobertura do caso, o filme explora os meandros da carreira jornalística: a perseguição do furo, a disputa com publicações concorrentes e o embate sobre a confiabilidade das fontes.
Nisso, recupera uma tradição hollywoodiana de filmes sobre jornalismo, da qual “Todos os Homen do Presidente” (1976), de Alan J. Pakula, é a referência mais óbvia.
“Qualquer produção que trata do tema sempre vai ser lançada sob a sombra desse filme”, disse McCarthy.