Mais da metade dos policiais militares de unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro foram alvo de objetos atirados contra eles por pessoas da comunidade e 66% foram xingados por moradores pelo menos uma vez em três meses. As informações fazem parte de levantamento divulgado hoje (10) pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes sobre o que pensam os policiais que atuam em UPPs, com dados de 2014. Foram ouvidos cerca de 2 mil cabos e soldados em 36 UPPs, dos 7.643 alocados nessas unidades em julho de 2014.

A pesquisa mostra que o aumento da hostilidade é consequência da deterioração do projeto original, criado em 2008, sobretudo pelo distanciamento da polícia em relação aos moradores. Esta é a terceira rodada da pesquisa – as primeiras foram feitas em 2009 e 2012.

Para uma das coordenadoras do projeto, a pesquisadora Sílvia Ramos, a atuação dos policiais nas unidades está muito parecida com o modus operandi da Polícia Militar (PM), de ocupação e repressão. Detectamos o aumento de policiais em atividades mais operacionais, mais de policiamento convencional, como abordagem de suspeitos, e menos policiais fazendo a atividade típica de proximidade, que é a de contato direto com moradores, líderes comunitários e outros, afirmou.

Houve diminuição da ronda a pé e do número de policiais com algum tipo de contato com associações de moradores e entidades locais. As atividades repressivas, com frequentes abordagens e revistas, aumentaram em número e grau. Mais de 56% declararam abordar e revistar suspeitos frequentemente nas comunidades. Em 2012, 37,6% dos policiais faziam ronda a pé na maior parte do tempo. Em 2014, esse percentual caiu para 23,7%. O percentual de agentes no Grupamento Tático de Polícia de Pacificação, que as pesquisadoras chamam de minibope (Batalhão de Operações Especiais), aumentou de 15,1% para 22,2% no período.

A ronda a pé é o coração do policiamento de proximidade, é aquele policial que conhece o morador, sabe que aquele menino mora naquela casa e nunca vai atirar naquele menino, nem abordá-lo agressivamente, comentou Sílvia, ao admitir que territórios muito grandes impõem obstáculos a essa missão. Mas não precisa ter um policial em cada beco, é preciso estreitar os laços comunitários, pouquíssimas comunidades estão tendo fóruns de diálogo permanente. Cada vez que um morador quer fazer alguma queixa de um policial, tem que ir à sede do comando tentar falar com o capitão”. Segundo ela, “mecanismos de diálogo sequer foram experimentados em algumas comunidades.

Somente 26% dos entrevistados declararam que desenvolvem com muita frequência alguma prática de aproximação com a população local e somente 5,3% afirmaram reunir-se sistematicamente com moradores. O percentual de agentes que relataram a percepção de sentimentos positivos dos moradores em relação às UPPs diminuiu de 43,7%, em 2012, para 23,8%, no ano passado. Em 2010, essa parcela era 66,5%. Ao mesmo tempo, mais de 60% acreditam que os moradores têm sentimentos negativos em relação aos policiais das UPPs.

A pesquisadora Bárbara Musumeci, que também coordenou a pesquisa, ressaltou que os policiais mediadores, que mantêm diálogo com a população, mostraram-se mais satisfeitos com o trabalho que exercem. Essas pessoas têm uma visão muito mais positiva, têm muito menos desejo de sair, estão menos expostas ao conflito tensionado. Toda essa percepção negativa dos policiais se inverte quando se aborda aqueles que fazem polícia de aproximação, pois não fazem revista.

Para a pesquisadora Leonarda Musumeci, também coordenadora do estudo, o aumento dos conflitos e de mortes de policiais em serviço pode ter acentuado a polarização da ideia do nós contra eles, do bem contra o mal. Segundo ela, alguns policiais declararam que os que não gostavam dos agentes policiais eram simpáticos aos traficantes. A proposta inicial da UPP não era tomar o tráfico de drogas como inimigo, mas como um fenômeno que deve ser isolado e controlado. Talvez as mortes tenham acentuado uma visão dos policiais dos moradores agressores como se todos fossem ligados ao tráfico.

As pesquisadoras também comentaram sobre o crime filmado no Morro da Providência, em que policiais matam um menino e forjam auto de resistência. Forjar flagrantes e autos de resistência dentro de uma UPP era algo impensável quando ela foi criada. É uma das piores profecias que havia sobre o que poderia acontecer com os policiais dentro das UPPs, declarou Sílvia.