… é pena que todas as outras custem tão caro.

Estamos no limiar de uma tempestade. Os que vivemos os anos de inflação descontrolada, anteriores ao Plano Real, lembramos bem demais o que é ter uma moeda que perde valor diariamente. É uma tragédia que penaliza a todos, com a desonrosa exceção dos especuladores, mas atinge com maior crueldade os mais pobres. Temos esperança de que a crise que começamos a atravessar seja breve, e que seus efeitos não sejam duradouros, mas crise sempre pede reflexão, tanto dos que a causaram quanto dos demais.

Agora que os preços sobem mais rapidamente que salários e rendas pode ser o momento de repensar valores, procurar saber o que somos debaixo do Véu de Maya do consumismo e da busca fátua por status. E podemos nos surpreender, descobrindo que somos melhores e temos significantes e qualidades mais importantes do que pensávamos.

Quando o que é pago em dinheiro fica caro demais podemos pensar no que é gratuito, mas que tem um preço e valor inestimáveis: tempo, atenção, dedicação. Existem muitos grupos de pessoas que valorizam a cultura, a arte, a simplicidade como forma de atingir felicidade e bem estar, e não se trata de nada dispendioso monetariamente. Museus costumam cobrar ingressos baratos, ou mesmo não cobrar em determinados dias, bibliotecas tem tesouros reais e virtuais à espera da descoberta, concertos e apresentações musicais de todas as vertentes são comuns nas cidades.

Retorna a prática de atividades físicas sem preocupações estéticas, apenas pelo prazer de caminhar, se alongar, ver pessoas, cuidar da saúde. E isso traz também inesperado ganho estético.

Participantes se unem em caminhadas de observação da cidade, guiados por pessoas inteligentes e com grande preparo prévio para discorrer sobre os locais visitados – às vezes tão simples como uma casa antiga, um terreno utilizado como horta comunitária, um monumento meio esquecido de algo ou alguém cuja notoriedade já diminuiu com o tempo – que nos auxiliam a compreender melhor a metrópole em que vivemos: nossa história, nossos valores, e nós mesmos.

Outros grupos se reúnem aos domingos para desenhar ou pintar algum detalhe arquitetônico ou estátua, ao final expondo na calçada o resultado de suas inspirações: algumas mais, outras menos talentosas no sentido artístico, mas todas sempre trazendo um modo de ver algo com que nos deparamos no dia-a-dia sem prestar atenção. Um olhar atento sobre tudo com que convivemos, e muitas vezes ignoramos ou desprezamos.

Outro bloco de pessoas pode ser simplesmente convidado pelas mídias sociais para comparecer a um evento pontual, como caminhar pelo leito de um rio, mesmo que este esteja canalizado em muitos trechos, refletindo sobre a água, a necessidade dela para todo organismo vivo, a forma como temos conduzido este assunto dentro da rotina massacrante de nossos dias. Uma convocação para salvar um bosque ameaçado, um animal em dificuldade, pelo simples prazer de exercer a solidariedade, ser mais humano e menos voltado exclusivamente aos próprios problemas.

Aparentemente, mesmo que em pequenos focos aqui e acolá, estamos cultivando alguns valores importantes, significativos como perspectiva futura, e não apenas do ponto de vista da solidariedade, mas também do sistema educacional. Educação é ato solidário, aprende-se com alguém: um professor, um escritor, um orientador, uma equipe; transmite-se da mesma forma.

Os japoneses dedicam-se anualmente à contemplação das cerejeiras em flor, evento que dura poucos dias e parece colorir o país inteiro. Temos poucas cerejeiras, mas os Ipês estão floridos nas praças, parques e quintais.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.