Independente desde 1948, a Birmânia democrática chegou a eleger U Thant como Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas em 1961, mas um ano depois o governo civil foi derrubado e o país naufragou sob o negro manto da ditadura militar que gere o país até hoje. Nas décadas de 60 e 70, integrou o Triângulo Dourado do ópio e da heroína junto com Tailândia e Laos. 

Ao final do século XX as plantações de papoula transferiram-se para o Afeganistão, responsável atualmente por 90% da heroína comercializada no mundo, mas Myanmar – o novo nome, desde 1998, desta nação de 55 milhões de habitantes, separada da Índia e de Bangladesh pelo Golfo de Bengala – mantém o 2º lugar graças aos recentes aumentos de produção nas encostas do Himalaia onde milícias pertencentes à etnia Kachin vendem drogas (incluindo, cada vez mais, anfetaminas e ecstasy) para financiar sua guerra por autonomia.
Após quase cinco décadas de domínio absoluto pelo Partido Socialista de Birmânia, a Junta Militar foi dissolvida em 2011 dando lugar a um governo fantoche sob o comando do ex-general Thein Sein, desde então como líder do novo Partido de União Solidária e Desenvolvimento (PUSD), que em sua ação mais espetacular liberou a líder oposicionista Aung San Suu Kyi, da prisão domiciliar em Rangun onde permaneceu por uma década e meia. Um ano antes de receber o Prêmio Nobel da Paz, Suu Kyi venceu por larga margem as eleições nacionais de 1990 que, no entanto, foram ignoradas pelos militares. Em 2007, fracassou a revolução açafrão, promovida pelos monges budistas, em sua tentativa de derrubar o governo nacional.
Sein assinou um cessar-fogo com oito dos principais grupos étnicos oposicionistas (há 135 minorias étnicas reconhecidas no país e 150 grupos guerrilheiros), mas outros sete que se negaram a participar continuam a negociar uma possível adesão. As eleições parlamentares acontecem neste domingo 8 de novembro para eleger 440 integrantes da Pyithu Hluttan (Câmara) e 224 da Amyotha Hluttan (Senado). Em ambas as Casas, pela Constituição, 25% dos membros são militares indicados pelo Comandante em Chefe das Forças Armadas.
Em seguida os congressistas deverão escolher o próximo presidente. A Carta Magna, contudo, tornou inelegível quem for casado com estrangeiro ou tiver filhos de outra nacionalidade, exatamente o caso único de Sun Kyi, que é viúva de cidadão britânico e máxima dirigente da Liga Nacional para o Desenvolvimento – LND, cuja vitória nas urnas é tida como certa. Thein Sein prometeu anular este quesito, mas para isso depende da aprovação de 75% dos congressistas. Se a mudança não for feita em seguida, ela só poderá ser presidente em 2020, quando tiver 75 anos. A maioria da população está nas ruas exigindo a reforma constitucional.
Entre as piores dívidas a serem saldadas pela ditadura está o genocídio da minoria étnica muçulmana Rohingya. Seus pouco mais de um milhão de sobreviventes, concentrados no estado de Rakhine (a noroeste da capital Rangun), resistem em condições sub-humanas, sem direitos de cidadania nem passaporte. Tidos como membros da etnia mais discriminada e perseguida do planeta, mesmo sem poder votar esperam pelo fim do predomínio militar e para que um pouco de arrependimento toque o coração dos budistas birmaneses.

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional