A cruzada de um homem contra o muro, metafórico ou real, levou metade da sua vida. Roger Waters, aos 72 anos, encerra a batalha iniciada quando ainda tinha 36, expurgada com o disco The Wall, lançado em 1979, pelo Pink Floyd.

A banda, deixada por ele de forma controversa em 1985, já não existe mais. E Waters coloca um fim no projeto com o lançamento de Roger Water The Wall, um box luxuoso que contém o filme homônimo, que mistura documentário e o show The Wall Live, apresentado no Brasil em 2012, além da trilha sonora do longa, produzida por Nigel Godrich. Tudo chega às lojas no dia 20.

Em entrevista, de Londres, o músico britânico faz questão de dizer que, por mais que tenha um novo disco, nova turnê e até uma autobiografia como projetos futuros, o conceito do The Wall — e a ideia de derrubada dos muros que separam a humanidade, contra palestinos e sírios, por exemplo —, é uma batalha pela qual ele pretende lutar. “Há um clima de ameaça no ar”, diz ele, com um tom soturno, grave, e sotaque inglês leve depois de anos morando em Nova York. “Cancelaram minhas participações no programa do Jimmy Fallon e Charlie Rose”, conta. “Ninguém falou o motivo. É medo. E o lobby de Israel é muito forte.”

Falar com Roger Waters é falar de política. Sujeito interessado em causas sociais e humanitárias, ele aceitou se religar ao Pink Floyd para uma apresentação histórica no Live 8 (evento criado para pressionar pelo perdão da dívida externa das nações mais pobres do mundo), em 2005, no primeiro reencontro dele no palco com os ex-companheiros de banda David Gilmour, Nick Mason e Richard Wright em 24 anos.

Para ele, o conceito do disco The Wall, lançado em 1979, ainda é atual — e é motivo para trazer, à tona na entrevista, a forma como os imigrantes sírios estão sendo tratados, e negados, em diferentes países da Europa. “Não se pode construir um muro ao redor de toda a Europa”, esbraveja.

Em julho, Waters pediu para que Caetano Veloso e Gilberto Gil não se apresentassem em Tel-Aviv, no fim daquele mês. Os baianos não lhe deram ouvido, mas, no último domingo, 8, Caetano Veloso assinou um texto, no jornal Folha de S. Paulo, com o título “Visitar Israel para não mais voltar a Israel”. “Recebi um e-mail com o texto traduzido. O título era: ‘Ótima notícia’. Vou enviar uma resposta a ele.”

O disco The Wall saiu há 36 anos, mas essa temática parece atual, concorda?
Roger Waters — Isso me entristece absurdamente. Pense em uma situação hipotética. E se acontecesse uma guerra no Brasil e você não pudesse mais viver no seu país? Imagine que você conseguisse um jeito de ir até Portugal. Chega e diz para eles que todos estão se matando lá e que quer viver ali com eles. Afinal, foram os portugueses que começaram o Brasil. Eles têm responsabilidade de aceitar os brasileiros e fazer tudo o que estivesse ao seu alcance. E não construir um muro para evitar que esses brasileiros cheguem a Portugal, entende?

Como os imigrantes sírios na Europa, imagino?
Roger — Sim. Os europeus foram colonizadores por 300 anos. Reino Unido, Holanda, França, Portugal, Espanha. E depois deixaram esses lugares. Até hoje, interferem na política local. Os Estados Unidos também. Agora, é uma obrigação tomar conta dessas vítimas A ideia de que os problemas podem ser evitados com cercas e muros vai criar um novo Muro da Cisjordânia. Isso não funcionou na Alemanha (o Muro de Berlim, durante a Guerra Fria). Não vai funcionar agora. Você não pode cercar a Europa com um muro. Não pode transformá-la numa fortaleza. Não se pode pensar nos imigrantes como inimigos. São seres humano e devem ser tratados assim.

A música perdeu seu papel político? Você se sente sozinho?
Roger — Olha, principalmente quando se marca uma posição com relação aos direitos dos palestinos. Existe um lobby muito forte de forças israelenses, particularmente nos Estados Unidos, que é onde eu vivo. Eu tive as participações nos programas de TV do Jimmy Fallon e da Charlie Rose canceladas. Não deram justificativas. Talvez não tenha nada a ver com a posição política. Existe um lobby muito grande de Israel. A indústria musical tem medo. Medo para cacete. Algumas pessoas já disseram que, se encamparem essa batalha, suas carreiras estarão arruinadas. Existe um clima de ameaça no ar.

Por falar em Israel, você pediu para que Caetano Veloso e Gilberto Gil não se apresentassem em Tel-Aviv, em junho. Eles foram, mas Caetano disse que não voltará mais. Ouviu falar disso?
Roger — (Ele ri alto). Olha, ele (Caetano) me parece ser um sujeito progressista, aberto. Ele foi lá, visitou as vilas, teve encontros nesses vilarejos, viu as pessoas. Testemunhou aquilo que eu havia alertado. Agora, ele entendeu. Agora, ele apoia a posição do movimento BDS (campanha global anti-Israel).

Ele chegou a falar com você depois da visita?
Roger — Eu admiro o Caetano por ter essa posição. Agradeço a ele por todos do movimento BDS e por todas as pessoas na Palestina, que estão sofrendo. Chegou um e-mail ontem (terça-feira, dia 10), com a tradução do texto dele. O título: “Ótimas notícias”. Eu vou escrever para ele.

Já estouramos o nosso tempo (10 minutos), mas não falamos de música. Você tem um novo disco vindo aí, assim como uma autobiografia, não?
Roger — Tenho mesmo um novo disco, que deve sair no ano que vem. E já preparo uma nova turnê por arenas baseado nele. Com algum material antigo. É verdade, nosso tempo acabou.

E o livro?
Roger — Estou escrevendo. Tenho que escrever mais uma tonelada de páginas. Tenho apenas algumas ainda. É um daqueles projetos que preciso sentar em algum lugar calmo e escrever. Tchau (em português).