SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Vaticano iniciou nesta terça-feira (24) o julgamento de cinco pessoas, incluindo dois jornalistas italianos e um padre espanhol, acusadas de divulgar documentos confidenciais que revelam a corrupção na Santa Sé. Nesta primeira sessão do chamado escândalo “Vatileaks 2”, dominada por questões processuais e apelidada de “kafkiana” por um dos réus, os dois jornalistas disseram que não tinha feito nada de errado e que simplesmente haviam cumprido o seu dever profissional. “Achei que iam investigar os acusados de atividades delituosas, não as pessoas que denunciaram os delitos”, disse Fittipaldi, da revista “L’Espresso”, a jornalistas. “Estou incrédulo em encontrar-me aqui como um réu em um país que não é meu”, disse Fittipaldi, acrescentando que a publicação de notícias é protegida pela Constituição italiana e por convenções europeias e declarações universais sobre os direitos humanos. O julgamento está sendo feito por três juízes não clericais na cidade-Estado soberana. O Vaticano não tem tribunal do júri. Os acusados são os jornalistas Gianluigi Nuzzi e Emiliano Fittipaldi, autores de livros sobre corrupção e malversação de dinheiro na Cúria Romana, o padre espanhol Lucio Ángel Vallejo Balda, 54 -preso desde o dia 2 deste mês-, a consultora em relações públicas Francesca Immacolata Chaouqui, 34, e um colaborador do padre Vallejo, Nicola Maio, 37. Eles são acusados de “formação de quadrilha” com o objetivo de divulgar notícias e documentos que afetam os interesses da Santa Sé. Trata-se da primeira vez que o menor Estado do mundo processa dois jornalistas, o que foi classificado pela imprensa italiana como uma “nova Inquisição”. “Espero ser absolvido. Não cometi crime algum. O que fiz foi uma investigação. O Vaticano viola o direito internacional ao processar jornalistas, é a manifestação de uma igreja obscurantista, que não responde à mensagem de revolução doce impulsionada por Francisco”, assegurou Nuzzi em coletiva de imprensa. Os jornalistas são também acusados de divulgação ilícita de documentos confidenciais. Os livros que publicaram se basearam em documentos, gravações, e-mails, atas de reuniões e fotos subtraídas dos arquivos do Vaticano. A legislação penal que tornou ilegal revelar documentos foi introduzida em 2013 pelo papa Francisco. Os acusados correm risco de pena de até oito anos de prisão. Especialistas disseram, porém, que os dois jornalistas dificilmente iriam para a pequena cadeia do Vaticano, raramente utilizada, e provavelmente terão as penas suspensas caso sejam condenados. Um promotor do Vaticano disse ao tribunal que a Santa Sé não tinha a intenção de amordaçar a liberdade de imprensa, e que os réus foram levados a julgamento devido à forma como os documentos foram divulgados pelos funcionários (o padre Vallejo e a consultora Chaouqui) e obtidos pelos jornalistas. Balda e Chaouqui eram membros de uma comissão, agora extinta, criada em 2013 pelo papa para estudar reformas econômicas e administrativas. Ambos os jornalistas queixaram-se de terem sido forçados a aceitar advogados designados pelo tribunal e que tiveram acesso a documentos necessários para a sua defesa apenas dias, ou horas, antes de o julgamento começar. A próxima sessão foi marcada para segunda-feira. A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), da qual a Santa Sé é membro, pediu na segunda-feira (23) ao Vaticano que retire as acusações contra os jornalistas, afirmando que eles têm direito de cobrir temas de interesse público e de proteger suas fontes. “Exorto as autoridades a não prosseguir com as acusações e proteger os direitos dos jornalistas, de acordo com os compromissos da OSCE”, disse Dunham Mijatovic, representante da OSCE para a liberdade dos meios de comunicação.