Os ventos da cordilheira são radicais e avassaladores toda vez que se põem a correr morro abaixo. Mas isso não acontece o ano inteiro. No outono eles sibilam num murmúrio alongado e triste como que prometendo a volta dos que se foram, e desaparecem no começo do inverno, com a seca, quando o povo inca recebe a Inti Raymi, o Deus-Sol. Oito anos atrás, quando a editora equatoriana Abya Yala lançou a 2ª. edição de meu livro Guerra en los Andes, a vida nos cinco países da região andina transcorria em meio ao terror da luta que contrapunha as Forças Armadas, os grupos paramilitares e os movimentos guerrilheiros, enquanto as plantações de coca se expandiam pelo Altiplano. Hoje os problemas e as lutas continuam, mas já não tão trágicos e, afinal, bolivianos, peruanos, colombianos, peruanos e venezuelanos de alguma maneira se acostumaram a conviver com a sua realidade.

O Peru está encerrando o ciclo do governo Ollanta Humala, deixando para trás um período em que o país cresceu a mais de 5% ao ano, a pobreza foi reduzida de 60% para 22% e concretizou-se a participação no Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica que reúne 12 países com 800 milhões de habitantes e 40% do PIB mundial. Não obstante, tem uma desaprovação popular por volta de 80% que não difere daquela experimentada por seus antecessores. Odiar o presidente em fim de mandato é uma sólida tradição cultivada pelos peruanos. O assunto do momento em Lima é a Operação Lava Jato e as denúncias de corrupção envolvendo a Odebrecht, Humala e assessores. Há eleições gerais em 10 de abril para eleger novos presidente, vice e 130 congressistas para o período 1916-1921. Keiko Fujimori, a filha do ditador Alberto Fujimori, completa um ano liderando as pesquisas sempre com algo em torno de 30% das intenções de voto, seguida pelo economista Julio Guzmán que voltou ao país após dez anos trabalhando no BID em Washington. Ele representa a rejeição aos políticos tradicionais e está subindo (de 2% para os atuais 18%). Em 3º está o ex-ministro das finanças Pedro Pablo Kuszynski, o PPK, com 9%. O Prêmio Nobel Mario Vargas Llosa – que tem grande culpa no cartório por ter perdido em 1990 uma eleição ganha para o então totalmente desconhecido Fujimori – apoiou Humala e agora diz que a eleição de Keiko seria uma catástrofe, a volta de uma das ditaduras mais corrompidas e sanguinárias da região. Os jovens, muitos dos quais nem haviam nascido na época do regime de Fujimori e Montesinos, deixam as palavras de Llosa (marcado como um neoliberal) entrar por um ouvido e sair pelo outro.
O Equador, também de bom desempenho econômico na última década, tem a comandá-lo desde 2007 o jovem e autocrático Rafael Correa, um típico representante da corrente latina que cultiva o neopresidencialismo (regime no qual o que detém o poder Executivo não prescinde do Legislativo e do Judiciário desde que lhe sejam submissos). Conseguiu aprovar uma mudança constitucional que permite reeleições indefinidas e está pronto para candidatar-se tanto no próximo pleito previsto para 2017 quanto em todos os demais dai em diante. A situação está longe de ser pacífica. Protestos contra duras medidas na área econômica em meados de 2015 levaram multidões às ruas, incluindo os povos indígenas. A Sociedade Internacional de Imprensa denunciou a existência de uma oligarquiza midiática pró-governamental equatoriana e a queda internacional no preço do barril de petróleo está afetando cada vez mais o orçamento e o dia-a-dia da população.
Evo Morales, em quem ninguém acreditava, teve um desempenho considerado excelente na economia da Bolívia, mas ao tentar reproduzir as táticas eleitorais de Hugo Chávez e Rafael Correa, terminou por limitar seu futuro com a derrota no referendo que lhe permitiria pugnar por um terceiro mandato. De qualquer maneira, a estabilidade política sequer imaginada antes de Evo tornou possível uma importante melhora nas precárias condições sociais e na renda nesse que segue sendo o mais pobres país andino.
A Venezuela prossegue em passos firmes sua caminhada rumo ao fundo do poço. A previsão do FMI é de que a inflação em 2016 atinja o valor recorde de 720% (foi de 275% em 2015). Segundo a CEPAL, a América Latina sofrerá uma contração de 0,3% neste ano, puxada para baixo pelos déficits de 8% da Venezuela e de algo entre 3% e 4% do Brasil. As cinco causas mais notórias que explicam a crise venezuelana contemporânea são: a) preço do crudo (petróleo) com o barril caindo de US$ 100 há dois anos para US$ 21 e com as exportações diminuindo de US$ 75 bilhões para US$ 27 bilhões; b) desvalorização da moeda nacional. Um dólar que valia 175 bolívares há um ano, agora vale B$ 865; c) competição política depois que a união opositora Mesa de União Democrática passou a controlar 65% da Asamblea Nacional graças às 109 cadeiras conquistadas nas últimas eleições contra 55 do chavismo. O governo Maduro nomeou uma nova Suprema Corte de Justiça que passou a desautorizar tudo o que o Legislativo aprova; d) calote (default) da dívida iminente, pois a Venezuela deve US$ 10 bilhões e metade disso vence em outubro e novembro deste ano. A esperança de Maduro é de ser salvo por países aliados como China, Rússia ou Irã; e) escassez crítica de produtos. Não há leite, ovos, farinha, medicamentos, anticoncepcionais e preservativos, fraldas e por último caixões, batata frita e cerveja. A crise na Universidade Central de Caracas, uma das mais tradicionais (fundada em 1721) do continente, levou parlamentares da oposição a propor retirar parte do imenso orçamento militar para suprir necessidades essenciais da Academia, mas a proposta não é aceita pelo PSUV, o partido do governo.
Por fim a Colômbia aguarda a assinatura do Tratado de Paz entre o governo de Juan Manuel Santos e as FARC, até o momento ainda definida para 23 de março corrente. Uma vez confirmada, prevê que a entrega de armas pela guerrilha começará sessenta dias depois, a partir de 23 de maio. Resta saber onde se dará o desarmamento e quando se fará o referendo confirmatório da paz. Permanece de fora o Exército de Liberação Nacional, ELN, um complexo movimento civil e político que mantém cerca de 2.000 homens em armas, com bases essencialmente urbanas ao contrário das FARC que se concentram nas selvas. Os elenos, como são conhecidos os membros do ELN, estão organizados em pequenos grupos de alta mobilidade e fazem uma guerra de pulgas, mordendo e correndo, além de estarem presentes em organizações comunitárias, universidades e sindicatos. O Exército colombiano tem hoje 350 mil componentes, mais o armamento de terra, mar e ar, o que na prática não lhe dá uma vantagem decisiva. Os líderes do ELN estão todos na Venezuela, principalmente nos Departamentos de Táchira e Apure, enquanto os combatentes dominam territórios colombianos em Arauca e têm influência relevante em Chocó, Catatumbo e Nariño. Há temores de que se repita um confronto fratricida entre as duas guerrilhas e de que parte dos homens das FARC ao invés de deixar as armas se converta ao elenismo.

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional.