Neste 2016 estão sendo feitas homenagens pelos quatrocentos anos da morte do escritor espanhol, Miguel de Cervantes, criador do Cavaleiro da Triste Figura. Dom Quixote apareceu em livro pela primeira edição, em 1605, comemorando em 2005 seus quatro séculos de encantamento no mundo. Surgiu quando a Espanha vivia os maus resultados da política de Felipe II e influenciou muitas gerações de leitores no Ocidente e no Oriente. A pluraridade dos leitores faz parte do projeto da composição de Cervantes. Que queria a obra agradando tanto ao leitor mais requintado, quanto ao que só enxerga o lado anedótico. Cervantes dizia escribo como hablo, seguindo o estilo do século 16, que privilegiava a naturalidade, evitando a afetação. Qualidade que tem garantido o sucesso de Dom Quixote através dos mais de 400 anos.

Personagem de ficção, também é mito, simbolizando os vários aspectos do ser humano: da generosidade à sede de justiça e a busca da felicidade coletiva em um mundo hostil, a ponto de se tornar um objeto de escárnio. É o justiceiro humilhado. Figura bem atual no mundo em que vivemos. Universal, Dom Quixote foi chamado de Ateu, Cruzado, Defensor da Igreja de Roma, Comunista, Liberal ou Anarquista. Tudo é válido, tudo é possível.

Fotos: Divulgação

Azulejo tendo como tema o Cavaleiro da Triste Figura, fidalgo Dom Quixote

Desde a primeira publicação da primeira parte do livro, Dom Quixote foi inspiração para artistas e ilustradores. Nunca deixou de ser publicado, ilustrado, representado, independentemente da geografia ou de estilos. Os melhores artistas de todos os países ilustraram Dom Quixote e no Brasil o destaque ficou com Cândido Portinari. Acima de qualquer outro texto, é o mais universal e os mais traduzido – inclusive em persa e tagalo (língua malaia das ilhas Filipinas) –, além de ser lido através de imagens ao redor do planeta. É personagem constante da obra infantil de Monteiro Lobato: toma café com bolinhos na varanda do sítio em O Picapau Amarelo e é inspiração da peça que Emília monta em Hollywood no Memórias de Emília. Em 1936, Lobato adapta e rebatiza a obra como D. Quixote para Criança.

No cinema o Cavaleiro da Triste Figura inspirou vários filmes, sendo dois clássicos: o do alemão G.W. Pabst (1933) e do russo Grigori Kozintsev (1957). São considerados os mais fiéis ao texto de Cervantes. Um filme inacabado foi o do Orson Welles, começado em 1955, interrompido várias vezes para juntar dinheiro em outros projetos. Welles morreu em 1985, sem terminar o filme. Uma cópia foi apresentada no Festival de Cannes de 1992, montada com a supervisão da viúva de Welles, Oja Kodar.


Castelo de Belmonte, em Cuenca

Poucas obras literárias inspiraram tantas peças musicais quanto as aventuras de Dom Quixote e Sancho Pança. Destacando o poema sinfônico de Strauss, o ciclo das Canções do Quixote à Dulcinéia, de Rave; a ópera de Massenet, sucesso de Fiódor Shaliápin ; o Retablo de Maese Pedro, de Manuel de Falla, composto para um teatro de marionetes. O Oxford Dictionary of Opera lista 97 peças baseadas na novela de Cervantes, -ou nas quais seus personagens aparecem -, desde o Quixote de Um Certo Sajón (1680), até a versão de 1983 de Hans-Werner Henze, reescrevendo em linguagem contemporânea o drama para música composto em 1769 por Paisiello.

O livro, por si só, explica tanto fascínio: há reflexão sobre um tipo de comportamento humano, que conhecemos como quixotesco, – essa forma exacerbada de idealismo -, até episódios de humor especial, como o das Bodas de Camacho.

Como esquecer o episódio do homem magro e alto, montado em um pangaré, investindo contra as pás de um moinho e caindo do animal ? Como esquecer do Quixote atacando um bando de ovelhas, acreditando tratar-se do exército do imperador Alifanfaron?


Arco estilo árabe em passagem de Albacete

Dizem os sábios que os professores são descendentes diretos da linhagem onírica criada por Cervantes. Porque sonhadores e idealistas, pairam muito acima de ideologias políticas, filosóficas ou religiosas e preferem se ocupar com questões maiores, como professar a educação e tudo de positivo que ela representa. Endireitando os tuertos deste nosso mundo, Dom Quixote e seu companheiro Sancho Pança são eternos.

Porque o desencanto, a desilusão e a solidão continuam no mundo em que vivemos. Porque, como dizia Cervantes, àquele que del poco dormir y del mucho ler se le seco el celebro de manera que vino a perder el juicio.


Cozinha manchega é combinação perfeita da castelhana e da andaluza: pisto manchego, olla serrana de Albaceta, coelho de Almagro, tortas de Alcázar de San Juan

TURISMO BEM INSPIRADO
Um itinerário centrado nos lugares em que Cervantes colocou as façanhas das suas personagens inesquecíveis, abrange a província da Ciudad Real, parte de Cuenca, Toledo e Albacete, zona conhecida como La Mancha.

Cuenca – visitar Belmonte, castelo-fortaleza de meados do século XV, Monumento Nacional. Tem seis torres cilíndricas, ornamentação das janelas em pedra lavrada e bela decoração mudéjar. Colegiata gótica de San Bartolomé, com retábulos dos séculos XV, XVI e XVII, trabalhos especiais no coro, assinados por Egas Cueman. Túmulo do Marquês de Villena e pia batismal de Frei Luis de León, que nasceu na cidade. É cidade declara de Interesse Turístico.


Renda de Bilro, tradição em Almagro e em La Mancha

Em Mota del Cuervo, apreciar a vila tipicamente manchega, onde é destaque a igreja de gótico-tardio, com elementos mudéjares levantinos do século XIII.

Toledo – El Toboso, Museu cervantino na casa que se supõe tenha pertencido à imortal Dulcinéia, com traduções do Quixote em mais de trinta línguas. Na Câmara Municipal há coleção de edições raras do romance de Cervantes.

Ciudad Real – visitar Pedro Muñoz, conhecida pelos seus vinhos e a popular festa de Los Mayos, celebrada no início do mês de maio. No Campo de Criptana, ver os moinhos de vento, cenário onde se situa o episódio do combate de Dom Quixote, que achou estar desafiando gigantes. Na Igreja reconstruída e na biblioteca Alonso Quijano os destaques do passeio. Alcázar de San Juan, para ver mosaicos romanos do século I, a igreja de Santa Maria do século XIII, a igreja de Santa Quitéria. O torreão de Dom Juan de Áustria é sede do Museu Heráldico de Pintura Contemporânea. Em termos de natureza, visita às lagoas da denominada zona húmida manchega, de grande importância ecológica.

Em Puerto Lápice estão restos romanos, como o moinho de vento chemado de Bachiller Sansón Carrasco. Foi onde o escritor Azorín situou a pousada (venta) onde Dom Quixote foi armado cavaleiro. Celebra as festas de Santo Isidro, no dia 15 de maio. Daimiel é centro vinícola importante. Destaca a Plaza Maior e igrejas góticas de San Pedro Apóstolo e Santa María la Mayor, do século XV, a onze quilômetros do Parque Nacional de Las Tablas de Daimiel. Tem refúgio de aves aquáticas.


Rendeiras junto aos famosos moinhos da Espanha, no Campo de Criptana, Ciudad Real

CIUDAD REAL – Capital de La Mancha tem vários pontos de atração turística: Catedral da paróquia de Santa María del Prado, dos séculos XVI-XIX, com duas portas góticas e exterior renascentista, ábside do século XV e retábulo-mor de Giraldo de Melro. Porta de Toledo, único resto da parte amuralhada gótico-mudejar do século XIV, com duas torres quadrangulares e grande ogiva dentro da qual se abre um arco árabe. Igreja de San Pedro, gótica do século XIV, com o túmulo de Dom Fernando Alonso de Coca, com duas belas portadas de estilo gótico, a Puerta del Sol e a Puerta de la Humbría, esta com um arco interior de estilo árabe. O coro é do século XVI e o interior tem um quadro de Vicente López. Museu Provincial com coleção de pinturas e de arqueologia. As festas celebram a Virgem de El Prado, em 15 de agosto.

Almodóvar del Campo – tem a Igreja do século XIII declarada Monumento Nacional, com trabalhos mudéjar, retábulo barroco e pia batismal do beato Juan de Ávila. Ermida de La Trinidad, do século XVI e casa natal de Juan Bautista de la Concepción, grande figura da reforma carmelita. São célebres os encierros populares, na meados de setembro. Viso del Marqués tem Casa-Palácio de Dom Álvaro Bazán, primeiro Marquês de Santa Cruz, construída entre 1564 e 1585 por arquitetos espanhóis e italianos. Mantém o Arquivo Museu da Marinha de Guerra Espanhola.


Monumento a Dom Quixote e Sancho Pança em Alcázar de San Juan, Ciudad Real

Santa Cruz de Mudela foi fundada ao redor do ano 1200 por cruzados espanhóis que regressavam vitoriosos da batalha de Navas de Tolosa. É um belo povoado que tem nas redondezas o santuário de Nuestra Señora de las Virtudes, padroeira da vila. O santuário é do século XIV, com um retábulo e artesonado mudéjar do século XVII. Junto do santuário, a praça de touros mais antiga da Espanha, de forma quadrada. Valdepeñas tem centro vinícola importante e várias adegas abertas ao público. É uma cidade com vários atrativos, como a igreja de La Assunción, gótica do século XV, uma galeria plateresca e um retábulo do século XVII. A Praça de Espanha tem pórticos e casas coloridas. O moinho de Cento é o maior da Espanha, destinado para museu, com pinturas do artista manchego Gregorio Prieto. Feiras e festas movimentam o calendário, com touradas em agosto. Nos primeiros dias de setembro a festa para a vindima e a poesia, declaradas de Interesse Turístico.

Em Montiel , que foi antigamente o início da Ordem de Campo de Montiel, destaca o castelo em ruínas. E em Almagro é o Palácio-Residência dos Mestres da Ordem de Calatrava que chama a atenção. O convento dos domicanos e igrejas de San Bartolomé el Real e de La Madre de Díos também entram no roteiro turístico. O Corral de Comedias é o único na Espanha, datando do século XVI e que continua a fazer representações de teatro clássico espanho. Foi declarado Monumento Nacional. Destaque também para a bela Praça Maior.


Dom Quixote e seus mais de 400 anos de sucesso no mundo

Albacete é cidade famosa internacionalmente pela qualidade do artesanato em aço e outros metais, é o final da peregrinação através da La Mancha, coração universal espanhol . Tem um dos museus arqueológicos mais importantes da Espanha e alguns edifícios de interesse, como a catedral de San Juan. Hora de seguir adiante, deixando o fidalgo e seu escudeiro para trás, e enfrentar as espumas eternas do Mare Nostrum, para outros horizontes.

LUGARES DE INTERESSE NAS IMEDIAÇÕES
Entre Puerto Lápice e Ciudad Real, dá para conhecer Consuegra (Toledo), com ruínas de um castelo do século XII, vários moinhas de vento e igreja de San Juan. Em Tembleque (Toledo), uma Praça Maior tipicamente manchega. No trajeto a partir de Solana, é possível visitar Argamasilla de Alba (Ciudad Real), com a Cueva de Medrano, onde Cervantes ficou encarcerado. Próximo fica o castelo de Peñarroya, ponde de defesa da época da Reconquista.

Em Tomelloso (Ciudad Real), ver a Igreja do século XIV com retábulo de Nossa Senhora da Paz.No último domingo de abril é realizada a romaria da Virgem de Las Viñas e a feira da vindima acontece nos meses de agosto e setembro.


Qualquer lugar é bom começo para uma rota seguindo Dom Quixote: Madri, Aranjuez, Alcalá de Henares, Aragón, Toledo, para chegar até La Mancha

COMEMORAÇÕES
*Uma exposição na Biblioteca Nacional de Madri – Miguel de Cervantes: da vida ao mito (1616-2016) marca o IV centenário da morte de um dos maiores escritores do planeta. A Biblioteca Nacional é a que tem o maior acervo da obra de Cervantes e completou a exposição com obras provenientes de outras instalações espanholas e também do exterior, como o Museo del Prado e o British Museum. Será o conjunto de obras mais completo relacionado com o autor de Dom Quixote. Pinturas, cartas, livros e documentos de arquivos históricos são alguns dos destaques da exposição, aberta ao público até o dia 22 de maio na capital espanhola.

*Para quem for a Madri é sempre bom adquirir o esMadridmagazine, revista gratuita da cidade, com os melhores programas culturais e de lazer. Março começou com espetáculos como o Festival de Magia no Circo Price, os músicos do Sister Act e um já clássico da Gran Via madrilena, El Rey Léon. O Barclaycard Center abre as portas para o humor com Les Luthiers e o Teatro Real acolhe Sasha Waltz, uma das grandes figuras da dança contemporânea. O mercado do desenho se instala no Matadero Madrid e a Feira MotoMadrid 2016 , no Pavilhão da Casa de Campo, foram as outras opções para aproveitar a Primavera em Madri, que começa agora.

*Na Semana Santa, Madri vai lembrar neste 2016 a Santa Teresa de Jesús, nas comemorações dos 500 anos de seu nascimento. Entre 18 e 31 de março será desenvolvido um programa cultural com mais de 30 concertos de música do século XVI. A gastronomia tradicional estará presente em várias cidades, com pratos representativos de cada região.