Mesmo com as novas tecnologias da área da medicina esportiva, o número de jogadores de futebol lesionados numa única temporada tem crescido ano a ano. E a pergunta que faço é: Por quê?

Complicações musculares e torções no joelho são os traumas que mais acometem esses atletas e com uma incidência alarmante. Os esportistas também estão suscetíveis a outra lesões, como entorse de tornozelo, distensões na coxa, virilha e região lombar, além de fraturas, contusões e luxações — que ocorrem em sua maioria durante as partidas.

A primeira constatação é que, em boa parte desses casos, os problemas são causados por métodos inadequados de treinamento. A segunda é que o número absurdo de jogos contribui para esse quadro. E a terceira é que a solução é simples, porém pouca gente trabalha para implementá-la.

Prevenir lesões é o papel de um médico do esporte, até porque esse procedimento tem um custo bem menor que o de uma cirurgia ou um tratamento pós-lesão. O primeiro passo é adotar um protocolo sistemático de exames, a chamada avaliação de Pré-participação Esportiva (APP), momento que permite ao médico conhecer o atleta e os seus fatores de predisposição.

Porém, há muitos campeonatos (estaduais, Copa do Brasil, Brasileiro e Libertadores da América) com uma quantidade de jogos assustadora: um atleta pode passar das 70 partidas numa temporada. Isso gera um estresse muscular alto e acaba dificultando a adoção de um programa de exames e treinos preventivos, essenciais para diminuir a incidência de lesões.

Outro ponto a ser destacado é que a maioria dos times troca, no mínimo, 30% de seus jogadores de uma temporada para a outra. E, raramente, os novos atletas passaram por programas de prevenção de lesão, o que pode ocasionar um atraso de sua progressão e aumento do risco.

Como se não bastasse, as viagens são longas e o tempo de descanso curto. Um time da Série A do Brasileirão, por exemplo, percorre, em média, mais de 60 mil quilômetros (aéreos ou terrestres) ao ano e os atletas dormem pelo menos 150 dias fora de casa.

O problema é tão grave que o nível geral de lesões em jogadores profissionais de futebol tem se mostrado mil vezes maior ao que acomete profissionais do setor industrial, normalmente considerado de alto risco.

A natureza multifatorial das lesões esportivas torna difícil que a prevenção tenha 100% de sucesso. Mas estudos revelam um modelo interessante de fatores potenciais que podem causar (ou prevenir) esses traumas.

Existe uma quantidade enorme de programas de exercícios para a prevenção, sendo que vários autores estabelecem uma forte relação entre o uso frequente de programas padrões de aquecimento e a redução de até 50% nas lesões. Apesar de todos os dados publicados sobre a eficácia de protocolos de prevenção, os médicos precisam lutar para convencer gestores das equipes de futebol, treinadores e atletas que esses exercícios são tão importantes quanto o treino em si.

Para isso, é importante mostrar não somente o ponto de vista do médico, mas também a visão econômica. Os custos reais envolvidos de um atleta com um Departamento Médico (salários, ações judiciais, tempo fora dos gramados) são extremamente altos.

Se fosse adotado um Programa Efetivo de Prevenção, composto por exercícios específicos, com variação e progressão, programa único de aquecimento, força, balanço e pilometria, por exemplo, os danos aos atletas seriam bem menores.

Pode até ser que, com essa prática, aliada à diminuição do número de partidas e um calendário mais adequado, não consigamos acabar com as lesões. Mas, com certeza, diminuiremos de forma relevante o número de atletas lesionados nos clubes de futebol brasileiros.

Por Dr. Lúcio Ernlund, Ortopedista especialista em Medicina Esportiva (joelho e ombro), diretor médico do Instituto de Joelho e Ombro de Curitiba, presidente da Sociedade Brasileira de Artroscopia e Traumatologia do Esporte (SBRATE), ex-Diretor Médico do Coritiba Foot Ball Club e médico responsável pela modalidade vôlei de praia nas Olimpíadas Rio 2016.