Todos interpretam personagens reais. Julianne Moore é Laurel Hester, Ellen Page, Stacie Andree, e Steve Carell, Steven Goldstein. Em 2005, Laurel, uma policial de Nova Jersey, descobriu que estava com câncer e, consciente de seu estado terminal, requereu pensão para a companheira, mas o pedido foi negado pela comissão da polícia que analisou o caso. Goldstein deu visibilidade para a história e criou um comitê para lutar pelo casamento de pessoas de mesmo sexo em Nova Jersey. O caso foi julgado numa instância superior e a pensão acordada, pouco antes da morte de Laurel. Baseado no caso, o diretor Peter Sollett fez o filme Freeheld, que estreou no Festival de Toronto, em setembro passado. Em julho, a Suprema Corte dos EUA havia reconhecido o direito do casamento entre iguais, o que criou um clima de simpatia favorável a um drama como Freeheld.

Com o título brasileiro de Amor por Direito, o filme estava programado para estrear no início de fevereiro, atrelado a prováveis indicações para o Oscar de Julianne (melhor atriz) e Ellen (melhor coadjuvante). Elas não se confirmaram, e Amor por Direito foi para o armário — perdão, a gaveta — e é retirado agora — estreia nesta quinta, 21. Em janeiro, quando conversou pelo telefone com o repórter, de Nova York — onde mora —, Julianne admitiu que estava cética quanto ao Oscar, mas bem que gostaria de ganhar nova indicação para o prêmio que venceu no ano passado com Para Sempre Alice, no papel de uma mulher precocemente diagnosticada com mal de Alzheimer. “Não é por vaidade”, esclareceu, “mas o Oscar tem um poder incrível. Dá visibilidade a obras que, de outra forma, muitas vezes passariam despercebidas. Toda luz sobre Amor por Direito é bem-vinda. O filme trata de um tema da maior relevância social e individual. Não é justo que homossexuais continuem sendo penalizados, sem direito de amar e expressar seu amor.”

Poucos filmes se beneficiaram, de tanta mídia espontânea. Elle Page, a Juno — lembram-se? —, saiu do armário e isso somou ao lançamento na quinta-fiera, 21. “Nunca tive de esconder minha sexualidade. Nós, que vivemos abertamente, não temos ideia de como pode ser penoso ter de esconder sua natureza. Conversei muito com Ellen sobre assuntos de sexo. Sua honestidade e sinceridade me serviram de inspiração. Pode parecer banal dizer uma coisa dessas, mas só quem já precisou esconder-se sabe o que representa o alívio de ser quem se é, sem entraves nem barreiras A própria Ellen me dizia que teria sido muito mais exaustivo, do ponto de vista emocional, interpretar Stacie se ainda estivesse no armário.”

O próprio Steve Carell, aclamado como comediante de sucesso, deu uma guinada em sua carreira e colheu uma indicação para o Oscar por Foxcatcher – Uma História Que Chocou o Mundo, no papel do milionário John du Pont, acusado de assassinato numa trama nunca completamente explicada, mas que produziu controvérsia justamente porque o elo que faltava era sempre o homossexualismo reprimido do ricaço.

“Conversávamos, nos intervalos de filmagem, como é interpretar essas figuras muito reprimidas. Como atores, não nos cabe julgar nossos personagens. Eu, pelo menos, me empenho em defendê-los, tornando-os densos e atraentes para o público. Na maioria das vezes, recolho elementos do roteiro. Quando a personagem é real, como Laurel, o desafio é duplo. Quero captar e expressar sua alma, não traí-la.”

Julianne admite que não tem muita empatia por relatos policiais. “Até já interpretei produções do gênero (Assassinos, de Richard Donner, com Sylvester Stallone e Antonio Banderas) e tenho o maior respeito por colegas que fazem esses papéis, mas essa coisa física, correria, pancada, não é o que mais me motiva. Quando meu agente me enviou o roteiro de Peter (Sollett), meu primeiro movimento foi dizer não, mas aí comecei a ler e não conseguia mais parar. Existem vários filmes em Freeheld – doença, hospital, julgamento, tribunal. Acima de tudo é uma ‘woman’s picture’, um filme de mulher, sobre como o preconceito ainda é forte na nossa sociedade. Quando começamos a fazer o filme, o Supremo (dos EUA) ainda não havia estabelecido jurisprudência sobre uniões estáveis de homossexuais. Tenho amigos que dizem que o cinema pode mudar o mundo. Não creio que o poder seja tão grande, mas a gente pode, com certeza, influenciar pessoas e refletir sobre movimentos de transformação social.”