Documento elaborado por especialistas, técnicos e feirantes pretende corrigir falhas na produção e exposição de alimentos, reduzindo as discrepâncias hoje existentes entre os municípios brasileiros,  e, com isto, promover em todo o País a comercialização de alimento seguro. Esta é uma das 26 propostas da Carta de Curitiba, aprovada no encerramento do 1º Simpósio Nacional de Feiras Livres e Mercados Públicos, realizado esta semana pela Prefeitura de Curitiba, por meio da Secretaria Municipal do Abastecimento (SMAB). O documento será enviado ao governo federal, aos governos de estado e municípios.

Entre outros pontos, a Carta de Curitiba também trata do estímulo à organização e do acesso ao varejo da produção da agricultura familiar e ainda propõe ampliar entre os gestores públicos a discussão e a aplicação da lei federal de Segurança Alimentar e Nutricional no âmbito das feiras e mercados.

É a primeira vez que um evento reúne gestores e técnicos de seis estados brasileiros e do Distrito Federal para discutir particularmente as feiras livres e os mercados públicos, com ampla abrangência. Cerca de 160 participantes discutiram o assunto ao longo de uma programação que incluiu palestras, apresentação de boas práticas e casos de sucesso, debates e visitas a feiras curitibanas.  A Carta de Curitiba apresenta a síntese dos temas abordados, em que aspectos há espaços para avanços significativos e aponta caminhos e  pontos que exigem atenção das autoridades, em relação à produção e à comercialização de alimentos no País.

Pelo menos três pontos foram consenso entre os participantes: que as feiras e os mercados públicos são ferramentas de grande potencial comercial e de aplicação de políticas públicas de Segurança Alimentar e Nutricional; que é necessário trabalhar pela criação de uma legislação específica para feiras, em que todos os envolvidos tornem-se corresponsáveis pelo cumprimento delas; e que há necessidade de organizar e reunir produtores, permissionários e gestores do ramo em uma rede de contatos e de divulgação de estratégias para o setor. 

Curitiba tem tradição em diferentes áreas, no sistema viário, no transporte público, no uso do solo. Mas, ao longo do tempo, passou a disputar visibilidade com outras áreas. Hoje, o Abastecimento tem o mesmo peso que outras pastas. São milhões de atendimentos por ano em toda a rede (feiras, mercados, sacolões, armazéns, restaurantes populares, agricultura urbana), enfatizou o prefeito Gustavo Fruet durante o lançamento do Selo Alimento de Qualidade, na última quinta feira (27). O selo vai indicar aos consumidores quais feirantes adotam boas práticas na produção e comercializam alimento seguro, da origem ao ponto de venda.

Discrepâncias  

Se, por um lado, Curitiba (PR), Belo Horizonte (BH), São Paulo (SP), Rio Grande do Sul (RG), Santa Catarina (SC), Bahia (BA) e Distrito Federal (DF), entre outros municípios e estados com maior desenvolvimento socioeconômico, podem ser apontados como referenciais no ramo, ainda há locais que sofrem pela ausência de atenção a procedimentos básicos de boas práticas, seja na produção, no armazenamento, no transporte, na comercialização ou na construção de políticas de segurança alimentar.

Com a ampliação do acesso à informação e de mecanismos de controle da qualidade do alimento, é quase impossível imaginar que ainda hoje sejam disponibilizadas para venda carnes sem refrigeração, expostas ao sol, à poeira e ao vento, sem qualquer proteção aos riscos ambientes.  Enquanto cresce a preocupação com a qualidade do alimento nos grandes centros urbanos, a falta de cuidados básicos como esses ainda é realidade em muitos municípios Brasil afora. 

O setor de alimentos é regulamentado por legislações das três esferas de governo (federal, estadual e municipal), sendo a Vigilância Sanitária o setor de fiscalização e normatização mais conhecido da população. No entanto, a falta de regulamentação de procedimentos específicos para os feirantes, por ser uma atividade historicamente relacionada à informalidade, torna a adequação das legislações existentes municipalizada, o que permite profundas diferenças de processos entre os municípios.

Em diferentes regiões do País há normas discrepantes. Muitos municípios não mantêm uma atuação pública (nesse segmento) de interesse social, senão como uma forma tradicional de comércio com problemas sanitários de séculos atrás. Em alguns locais há ausência completa de normatização de procedimentos, explica o secretário municipal do Abastecimento de Curitiba, Marcelo Munaretto. O secretário argumenta que a inexistência dessa normatização específica para feirantes de todo o País gera não só problemas sanitários como a perda de oportunidades de mercado e de aplicação de políticas públicas de segurança alimentar, em seu sentido mais amplo. Problemas que são perpetuados e muitas oportunidades desperdiçadas, afirma.

O contraponto é a busca de excelência para a obtenção de qualidade em diversos municípios brasileiros e no exterior, que têm nas feiras e nos mercados o foco no acesso social ao alimento de qualidade, saudável e com práticas autossustentáveis. As feiras são importantes instrumentos na construção de hábitos alimentares saudáveis, podem promover e fortalecer toda a cadeia produtiva (produtores, cooperativas de alimentos e permissionários), inclusive econômica para todos os envolvidos, com preservação ambiental afirma o secretário.

Munaretto defende que a ação de feiras e mercados de alimentos deve estar focada no acesso ao alimento, da forma mais abrangente, conforme determina a lei federal de Segurança Alimentar e Nutricional. As feiras e os mercados públicos têm grande potencial de mercado e, adequadamente focados, são importantes instrumentos de geração de saúde, justiça social, distribuição de renda, perpetuação de culturas e de socialização.

Carta de Curitiba

As 26 propostas incluídas no documento 1º. Simpósio Nacional de Feiras Livres e Mercados Públicos –Carta de Curitiba apresentam como elo comum a necessidade de minimizar as diferenças entre os municípios no cumprimento de normas de Boas Práticas, ações para a busca de excelência em qualidade, a orientação para o consumo de alimento seguro, a promoção do acesso ao alimento, o estímulo a comercialização de produtos da agricultura familiar, a aplicação de ações de educação alimentar e, principalmente, a necessidade de discussão e organização de todos os envolvidos no setor, do poder público ao consumidor final.

No planejamento de novos equipamentos (feiras, mercados, restaurantes, etc) devem ser considerados a situação territorial e geográfica. A proposta se refere aos chamados desertos alimentares, regiões –inclusive em grandes centros urbanas – onde há falta ou são muito escassos os pontos de acesso ao alimento para determinada população. O tema foi abordado pela representante do Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome (MDS), Kathleen Machado, durante a apresentação de propostas à Carta de Curitiba. 

A segunda proposta apresentada por Kathleen, e defendida por outros participantes, inclusive feirantes, foi a necessidade de se formar uma rede de gestores de feiras e de localização de equipamentos de abastecimento. É importante que os grandes municípios criem aplicativos de localização de feiras, mercados e sacolões e que os gestores possam permanecer em contato. 

Em um aparte sobre a necessidade de se trabalhar pela redução de desertos alimentares, o secretário municipal adjunto de Abastecimento de Belo Horizonte (MG), Marcelo Lana, disse ter ficado impressionado com a logística dos Armazéns da Família e da Nossa Feira, os quais visitou durante a participação no Simpósio. Ambos os programas municipais curitibanos utilizam como estratégia primeira a instalação de pontos que priorizem o atendimento de populações em risco social e alimentar ou de baixa renda.  No evento, o secretário Lana apresentou a estrutura de Abastecimento de Belo Horizonte e que, como Curitiba, também conta com uma grande rede de equipamentos e ações na área de abastecimento.

O médico veterinário Alfredo Benatto, da Secretaria de Estado da Agricultura, fez palestra sobre questões legais sanitárias. Ele ressaltou a importância da agricultura familiar e da educação alimentar. Inclusão social significa economizar. A primeira ação do Estado tem que ser educativa, afirmou, discorrendo sobre a necessidade de orientar a população para a escolha de alimentos saudáveis e que são mais baratos. Ele lembrou que entre cinco milhões de áreas rurais existentes no País, 4,3 milhões são cultivadas pela agricultura familiar, rebatendo a ideia de que a maior parte das áreas rurais trabalham com monoculturas de comodities (soja, milho, etc), produtos para exportação. Quem põe o alimento na mesa é a agricultura familiar. Esses eventos (Simpósio) são de extrema importância.

A última proposta definiu que o Simpósio deverá ocorrer a cada dois anos, em anos ímpares e em diferentes estados do País.