EDSON VALENTE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O vice-presidente Michel Temer é um dos últimos políticos do país capazes de “fazer tricô com quatro agulhas”, segundo o economista e professor Antonio Delfim Netto, 88. “Ele é nossa última esperança.”
“Políticos como Temer, Sarney, Tancredo e Ulysses sabem que é preciso constituir uma maioria política para sustentar qualquer programa, porque praticamente todos os programas servem”, disse o economista em uma palestra realizada nesta segunda-feira (2) no Centro Ruth Cardoso, em São Paulo.
Temer assumirá a Presidência interinamente se o Senado instaurar, provavelmente na semana que vem, o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
“O Temer é treinado e sabe que só o político pode salvar o economista. Assim, poderá fazer alguns ajustes durante dois anos para convencer a sociedade de que o equilíbrio voltará em 3 ou 4 anos. Se aproveitar essa chance e conseguir fazer isso, poderá se transformar em um estadista. Se não for possível, ele terá de dizer que não é possível, ou que administrar talvez seja possível, mas inútil, como disse Mussolini na Itália.”
A habilidade com a tecitura seria necessária para resolver o grande problema do país no cenário atual, em sua opinião: a falta generalizada de confiança.
“O trabalhador não consome porque tem medo de perder o emprego”, disse. “O empresário não investe porque o trabalhador não vai consumir. E o banqueiro, quando vê o consumidor assalariado e o empresário sem gastar, vai buscar dinheiro dos dois para salvar sua liquidez. Os três estão líquidos e vão morrer afundados na liquidez. É preciso mudar as expectativas da sociedade.”
Para tanto, segundo Delfim, não é preciso fazer um grande malabarismo estratégico na economia, mas reunir esforços para seguir uma premissa básica. “Não adianta fazer um ajuste fiscal só com o corte de gastos, isso só vai produzir mais buracos. É preciso fazer com que a indústria e as exportações cresçam”, afirma.
“É por isso que eu acredito que o Temer poderá ajudar, porque ele entendeu um fato importante: não há nenhuma dificuldade de diagnóstico. Não se trata de um problema econômico, e sim de um problema político que requer um político treinado como o Temer. Se não expandirmos o investimento e as exportações, não vai voltar o crescimento. E, no momento em que tivermos 1% de crescimento, tudo mudará de cara, o equilíbrio fiscal virá por gravidade.”
‘CURTOPRAZISMO’
O que “destruiu” o Brasil, em sua avaliação, foi “o aparelhamento do Estado para os amigos” -erro que não poderá ser repetido por Temer, segundo Delfim.
Mas a “tragédia” do governo PT, de acordo com o economista, só começou em 2011. “A Dilma fazia um excelente governo, com um crescimento de 3,9% no PIB. Foi então que, no auge do seu prestígio, ela resolveu inovar com uma intervenção no setor energético para aumentar sua popularidade.”
Na primeira pesquisa após essa medida, diz Delfim, a popularidade de Dilma cresceu. “Não satisfeita, resolveu botar a mão nos juros sem dar as condições para o Banco Central de mantê-los baixos. Mas isso aumentou ainda mais sua aprovação popular. A aprovação popular é uma das piores coisas para um governo, ela o destrói. O ‘curtoprazismo’ da sociedade produz esse populismo irresponsável.”
Até o primeiro trimestre de 2014, diz, não houve “nenhum desastre”, com a inflação sob controle.
“Aí ela [Dilma] decidiu fazer o diabo e usar o conselho do Maquiavel no projeto de campanha para se reeleger. [Otto von] Bismarck [estadista alemão do século 19] já dizia que nunca se mente tanto como antes de uma eleição, durante uma guerra e depois de uma pescaria [a frase original se refere a uma caçada]. Ela aplicou a teoria adequadamente, fez uma campanha absolutamente desligada da realidade.”
VIRGEM NUMA CASA DE TOLERÂNCIA
Ao se reeleger, “Dilma adotou a política econômica de seu opositor [Aécio Neves], a qual tinha criticado ferozmente”, afirma o economista.
“Ela podia ter feito isso, mas antes precisava ter dito: ‘Quem votou em mim me perdoa [sic], eu enganei vocês, mas agora pus o [ex-ministro da Fazenda] Joaquim Levy.’ Não deu certo porque nunca ninguém acreditou que a Dilma realmente tivesse entregue o Ministério da Fazenda a ele. O Joaquim acreditou, na verdade ele é uma virgem numa casa de tolerância. Nos primeiros momentos, logo foi vítima da esquerda infantil, seu programa foi bombardeado pelo partido [PT]. O que aconteceu foi projetado.”
Caso assuma o governo, Temer terá heranças boas da atual gestão, caso de “projetos de infraestrutura com altas taxas de retorno”, segundo Delfim. “Caberá a ele ter a lucidez para aproveitar o que está sendo feito.”
No entanto, o economista criticou a saúde e a educação no país. “Não há nada mais ineficiente no Brasil que a administração desses setores. O que faz a Saúde em Brasília? Tem lá 30 mil funcionários, e é um biólogo despachando a aposentadoria ou as férias do outro. O Brasil precisa é aumentar a produtividade dos recursos que já tem.”