RANIER BRAGON BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Imediatamente após derrotar Dilma Rousseff e se eleger presidente da Câmara dos Deputados em fevereiro de 2015, Eduardo Consentino da Cunha (PMDB-RJ), 57, prometeu não retaliar os rivais vencidos nem ser fonte de instabilidade política, frases consideradas como sinais de armistício. Tido como homem de palavra até por adversários, nos meses seguintes ele não cumpriria nenhuma dessas promessas, entretanto. Cinco meses e meio após o discurso com tom conciliador, Cunha já anunciava o rompimento formal com o Palácio do Planalto e a ida para a oposição. Mais cinco meses se passariam e ele autorizaria a tramitação do pedido de impeachment de Dilma, estopim para o provável afastamento da petista na semana que vem. De “Meu Malvado Favorito” -uma alusão ao vilão de coração mole da animação de 2010-, apelido que ganhou e que era repetido jocosa e até inofensivamente nos tempos de aliado incômodo, Cunha se transformava, sem margem para brincadeiras, no pivô da queda da presidente da República. Como pano de fundo da relação, as investigações da Lava Jato, enrosco em que Cunha assegurava estar metido unicamente pela associação política de bastidores entre Dilma e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Segundo o peemedebista, o processo criminal, a denúncia, os três inquéritos, os três pedidos de inquérito e o processo de cassação a que responde por suspeita, entre outras, de desfalcar os cofres da Petrobras, não passam de perseguição política de seus algozes na Procuradoria e no Planalto. LEGIÃO Casado com a jornalista Claudia Cruz, pai de cinco filhos, Cunha despontou para a política junto com o governo Fernando Collor de Mello (1990-1992), ao lado do tesoureiro de campanha Paulo Cesar Farias, que o indicou para a presidência da Telerj. Foi aliado depois de Anthony Garotinho, hoje um de seus vários desafetos. Na Câmara dos Deputados, onde está desde 2003, manteve desde sempre sob sua órbita uma legião de aliados dentro do PMDB e fora dele, principalmente -mas não só- da bancada evangélica. Cunha foi da Igreja Sara Nossa Terra e hoje está na Assembleia de Deus Madureira. Político de bastidor e reconhecidamente aplicado aos temas a que se propõe, ele rapidamente alçou poder dentro do PMDB e se tornou um incômodo aos governos do PT. Na relatoria de projetos de interesse do Palácio do Planalto, frequentemente defendia mais os interesses de setores do empresariado. Ele é apontado como o responsável por conseguir recursos de campanha para dezenas de deputados do PMDB e de outras legendas, o que explica em parte seu arco de influência. Para os de sua sigla, ele já admitiu a ajuda. Para os de outros partidos, ele nega. Os adversários também desde sempre apontaram o dedo, reservadamente, para práticas não republicanas, situação que pode ser ilustrada e resumida no célebre discurso do então ministro Cid Gomes (Educação) no plenário da Câmara em que chamou o peemedebista, de dedo em riste, de ser “acusado de achaque”. Recém empoderado pela vitória que o alçou ao comando da Câmara, Cunha exigiu diretamente a Dilma Rousseff a demissão do ministro, o que de fato aconteceu. Além disso, assim como fez com vários jornalistas, Cunha processou Cid e ganhou, em primeira instância, direito a indenização de R$ 50 mil. Na ocasião, ironizou dizendo que achava pouco e iria recorrer pedindo mais. Cid recorreu ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal que em abril, por unanimidade, derrubou a decisão de primeira instância. LIMPA Apesar de o ataque aberto e frontal ter se dado só em julho de 2015, após surgir a denúncia mais consistente de que ele havia recebido propina da Petrobras, a transição da fase “Malvado Favorito” para a de dano real a Dilma havia acontecido meses antes, logo após a sua vitória na Câmara. Contrariando o que havia sinalizado nas primeiras falas após o resultado, Cunha desde o início colocou em prática uma retaliação em série ao governo e aos ministros que apoiaram o seu adversário, Arlindo Chinaglia (PT-SP). De cara atuou para derrubar toda a tropa de Dilma responsável pela articulação com a Câmara -os ministros Pepe Vargas (Relações Institucionais) e Aloizio Mercadante (Casa Civil) e o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS). Assim como havia liderado rebeliões contra Dilma quando liderou a bancada do PMDB, Cunha patrocinou várias derrotas legislativas ao Planalto, muitas delas com impacto extra aos cofres federais. Com perfeito alinhamento com as bancadas evangélica, ruralista e da bala, entre outras, desengavetou e aprovou propostas das alas conservadoras -em consonância com o perfil majoritário da Legislatura eleita em 2014-, com destaque para a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos em alguns casos. O projeto empacou no Senado, entretanto. Em seus 459 dias de comando, sua gestão bateu recordes de aprovação de projetos pela combinação de governo enfraquecido -governos fortes tendem a permitir a aprovação apenas de temas de seu interesse- e do maior rigor para evitar ausência de deputados. Quando as acusações de seu envolvimento no petrolão se avolumaram, o peemedebista passou a priorizar o trabalhar em duas outras frentes: negociar nos bastidores tanto com o governo quanto com a oposição um acordão para livrá-lo da cassação e usar seu poder de presidente para atravancar o processo no Conselho de Ética, que se arrasta desde novembro de 2015 sem conclusão. Ao fracassarem as tratativas com o governo e o PT, decidiu deflagrar o pedido do impeachment, processo que conduziu metodicamente desde o início até o fim, a votação do dia 17 de abril que, por 367 votos contra 137, autorizou o Senado a processar Dilma. Em seu voto no impeachment, afirmou apenas desejar que Deus tivesse misericórdia da nação. E apesar do recrudescimento dos protestos e ações por sua saída, nunca deixou de repetir um mantra nas várias de suas entrevistas coletivas. “Só saio da presidência da Câmara em 1º de fevereiro de 2017”. O “homem de palavra” também não conseguiu cumprir essa promessa.