GUILHERME GENESTRETI, ENVIADO ESPECIAL*
CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) – “La Fille Inconnue”, filme que os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne exibiram na manhã desta quarta (18), na competição do Festival de Cannes, gira em torno de uma médica (Adèle Haenel) que remói a culpa por ter se recusado a tratar uma paciente, imigrante africana, fora de seu expediente.
Embora os diretores belgas tenham negado qualquer subtexto, é inevitável relacionar à trama ao contexto da Europa de hoje, com os europeus tendo de se posicionar em relação aos refugiados.
“Pertence ao espectador essa interpretação”, disse o caçula, Luc Dardenne, 62, na coletiva de imprensa após a projeção de “La Fille Inconnue”. “Não estamos lançando uma mensagem, no fundo sobre uma médica e sobre a responsabilidade dela e dos que a cercam.”
Eles também descartaram qualquer relação com os ataques terroristas recentes à França e à Bélgica. “O roteiro já estava escrito muito antes desses horríveis atentados”, disse o Dardenne primogênito, Jean-Pierre, 65.
Na trama, uma imigrante toca a campainha da unidade médica de Jenny a altas horas da noite. Médica durona, querendo dar lições de distanciamento emocional ao residente com quem trabalha, a personagem não o deixa abrir a porta. “Se fosse mesmo urgente, ela teria tocado uma segunda vez a campanha”, diz.
No dia seguinte, a moça africana é achada morta ali perto, sem documentos: foi assassinada. Culpada, Jenny fica obcecada por descobrir a identidade da mulher e empreende uma busca que destrincha muitas das preocupações dos Dardenne: a culpa, a integridade e a realidade social dos menos abastados na Europa.
Os temas já apareciam, por exemplo, em “Dois Dias, Uma Noite” (2014), que também competiu em Cannes e rendeu à atriz Marion Cotillard uma indicação ao Oscar por seu papel como uma mulher belga desempregada.
“As mulheres nos nossos filmes são mulheres que se sentem responsáveis, que são livres e que fazem a sociedade ir à frente”, comentou Luc.
Inquiridos com a inevitável pergunta sobre como é dividir a direção com um irmão, Jean-Pierre brincou: “Não há segredo; somos uma pessoa só”.
TRÁFICO NAS FILIPINAS
O cotidiano dos desvalidos também foi foco de outro diretor na competição, o filipino Brillante Mendoza, que apresentou em Cannes o seu “Ma’ Rosa”.
O filme gira em torno de uma matriarca que vive numa espécie de favela em Manila e sobrevive de pequenos trocados. Quando o marido, um pequeno traficante de drogas, e ela são presos, o casal é obrigado a lidar com policiais corruptos que os desejam extorquir em troca da liberdade.

*O jornalista se hospeda a convite do Festival de Cannes