Breslávia, Vratislávia, Wroclaw ou Breslau (em alemão), construída sobre 12 ilhas, a quarta cidade da Polônia é capital europeia da cultura em 2016, tem um centro antigo colorido e mantém sempre um ar de resistência.

A pronúncia de Wroclaw pede uma boa dose de vodca antes, para enrolar a língua dizendo wroc –soaf e a cidade recebe seus visitantes com um exército de anãozinhos de bronze, surgindo do nada em praças, cantos de rua, jardins. São cerca de 300 ao todo e fazem a alegria das crianças, que saem à procura divertida das minúsculas estatuas de metal, que nem têm ligação com Branca de Neve. São o resultado de um projeto da Prefeitura, que deu certo. E marcam a liberdade que todos procuravam, no tempo do comunismo ferrenho.

Tudo começou em 1982, quando Waldemar Fydrych colocou em uma parede o primeiro anão laranja, fazendo dele o símbolo da contestação ao regime comunista. Nos anos 80, perto de 30 jovens artistas, hippies e paisagistas de Wroclaw criaram o Novo Movimento Cultural, mais conhecido como Alternativa Laranja. Organizaram happenings nas ruas, uma ação nunca antes vista na cidade.


A magnífica Aula Leopoldina, destaque na Universidade

Não tendo condições de criticar o regime vigente, preferiram ridicularizá-lo, com ações artísticas e políticas, humor, chegando às raias do movimento surrealista. Assim, durante uma distribuição de papel higiênico sempre em falta (alguém pensou em Venezuela?), bolsas e sacolas eram examinadas pelos policiais, que confiscavam qualquer objeto proibido. Em 1988 a Revolução dos Anões provocou a prisão de milhares de pessoas fantasiadas de anões. Era o medo dos poderosos, que não conseguiam enfrentar nem mesmo personagens de contos de fadas. A alternativa laranja participou, à sua maneira, da derrubada do antigo regime.

A quarta cidade do país conservou um pouco do espírito rebelde, um pouco do post-punk. O Centrum Reanimacji Kultury – CRK – funciona como centro cultural e sala de concertos e representa bem o pensamento do povo, no bairro de Nadodrze, onde estão concentrados ateliers de artesãos e jovens criadores. Algumas ruas desgastadas pelo tempo serviram de cenário para o filme Ponte dos Espíritos de Spielberg.


Um dos 300 anãozinhos de Wroclaw

LONGA HISTÓRIA
A cidade foi fundada em 990 e hoje é movimentada pelos inúmeros estudantes de academias e universidades. O passado é marcante: só ficou polonesa apenas depois de 1945. Wroclaw esteve nas mãos dos tchecos, austríacos, prussianos, alemães. Transformou-se numa espécie de Alsace-Lorraine. Durante a Segunda Guerra Mundial, Hitler fez da cidade uma fortaleza. Caiu depois de Berlim, em 6 de maio de 1945, sitiado durante 80 dias, período em que a maioria dos prédios foi destruída.

Desta época sobraram muitas cicatrizes e milhares de mortos, seguindo-se um êxodo e uma mudança radical na população. Em termos de arquitetura, uma pista aérea foi criada no centro da cidade, deixando um buraco aberto que a cidade preencheu aos poucos, com algum sucesso. De maneira mais divertida, um abrigo antiaéreo de 1942 foi transformado em Museu Contemporâneo de Wroclaw. O Café instalado na lage oferece um pôr do sol sobre as linhas dos bondes. É preciso admitir que Wroclaw conserva ainda zonas abandonadas há anos. Mas alguns pontos renasceram, como a antiga cervejaria Browar Mieszczenski, onde funciona um mercado bio e venda de quinquilharias, sempre aos domingos. Lugar onde todos provam o zapiekanki, torradas que antes eram vendidas nas ruas, no início do novo capitalismo.


Os anãozinhos surgiram como revolta contra o comunismo, tempos da Cortina de Ferro

ATRAÇÕES DE SEMPRE
O centro da cidade reflete um pouco a beleza de Veneza – são 112 pontes e muitos canais. É região charmosa, com fachadas coloridas, destacando a Grand Place, a Universidade cuja principal atração é a sala Aula Leopoldina, o antigo monastério transformado em Museu de Arquitetura. O mercado coberto segue o estilo arquitetônico da Halle do Centenário, construído em cimento armado, prédio que foi uma admirável proeza dos anos 1913.

O orgulho de todos é o Panorama de Raclawice, uma longa pintura circular de 1.800 metros quadrados, como a de Waterloo ( 1894), comemorando a derrota russa e a vitória dos poloneses. Durante o regime comunista o acesso do público ficou proibido entre 1946 e 1985. Instalado no bunker, é hoje um dos atrativos mais visitados da Polonia.

Na charmosa ilha das igrejas, Ostrow Tumski, uma espécie de mini Vaticano, chama a atenção a Catedral e dois lampistas perpetuam uma tradição há muito extinta. E oferecem um pouco de magia e poesia, assim como o iluminador de lampiões do Pequeno Príncipe, de Saint Exupéry. Afinal, Wroclaw não é terra dos anãozinhos dos contos de fadas?


Centro histórico da quarta cidade polonesa

Do outro lado do rio Oder a Neon Side Gallery ilumina um pátio bem escondido. Nos tempos da Cortina de Ferro, os néons decoravam a cidade, fingindo as fachadas Potemkine: as lojas estavam vazias, mas as ruas eram iluminadas como nas capitais ocidentais, criando a ilusão de um mundo de alto consumo. Esquecidas, essas luzes foram se apagando. Agora voltam renovadas no brilho antigo. Um exemplo: o Neon Muzeum de Varsóvia. Debaixo de faixas de luz vermelha o Neon Club recebe no centro alternativo muitos grupos e todas as tendências musicais de hoje e do passado.

Na Galeria Plakatu há um bom acervo dos famosos cartazes poloneses. O dono coleciona os cartazes desde 1989 exemplares dos anos 50 até hoje, incluindo verdadeiras pérolas gráficas.Antes dos anos 90 os artistas tinham plena liberdade de expressão na criação de cartazes de cinema. Tudo era possível e o objetivo não era vender ingressos, mas permitir aos artistas interpretarem suas próprias emoções das telas para o papel. Depois a censura começava antes mesmo dos cartazes: os filmes eram simplesmente proibidos. James Bond, por exemplo, nem chegava às telas. Era o próprio inimigo. Hoje a criatividade dos cartazes perdeu força e são os próprios distribuidores dos filmes que controlam tudo, em uma outra espécie de censura.

Sozinhos ou em grupos, os anãozinhos enfeitam as fotos dos turistasHumor é o que não falta nos símbolos de  crítica ao antigo regime comunista
Cheias de humor, as pequenas esculturas fazem a atração principal para as criançasTudo pode ser inspiração para o símbolo da quarta cidade polonesa

PASSANDO BEM
Para se hospedar, entre as muitas opções, o Art Hotel no centro da cidade é escolha de luxo, com quartos elegantes e tem cassino em seu prédio. Diárias para duas pessoas, a partir de 68 euros. O café da manhã custa 10 euros. Veja em www.arthotel.pl

O Puro Hotel é confortável, moderno, estilo Techno-chic. Alguns quartos têm vista para o jardim. Internet, chamadas telefônicas locais e internacionais são gratuitas. Bicicletas ficam disponíveis aos hóspedes, para passeios em liberdade (www.purohotel.pl/wroclaw). Em termos de restaurantes, o Konspire dá uma visão do passado da República Popular da Polonia.


O centro antigo, os prédios modernos da Universidade, tudo faz de Wroclaw uma das Capitais da Cultura na Europa

A sala principal fica atrás de uma estante de livros, mas em dias de sol todos preferem ficar no terraço. O Browar Mieszczanski é mercado de produtos locais, que funciona aos domingos entre 11 e 16 horas. Perfeito para provar uma especialidade polonesa de ensopado que fica cozinhando durante horas em uma caçarola estilo antigo. Ou continuar experimentando as zapiekanski. Para cozinha vegetariana, o endereço é a Madia Organika, em ambiente decorado com cerâmicas coloridas típicas, nas paredes. Lody Naturalne é a melhor sorveteria da cidade, sempre com longas filas. Karavan Bar é bar, lounge, restaurante plugado, um dos melhores endereços da cidade. O Art Café Karambeu, no Teatro de mesmo nome, foi durante 60 anos o verdadeiro respiradouro dos habitantes locais durante o comunismo. O Café mantém o espírito artístico e intelectual, refletido nos espelhos art déco. Um dos poucos lugares onde ainda é possível fumar em recinto fechado.

Na hora das compras, Manufaktura W. Boleslawiec continua produzindo cerâmicas coloridas feitas à mão, para enfeitar todas as mesas (www.polish-pottery.com.pl). Na Baixa Silésia, junto às margens do rio Oder, Wroclaw fica a apenas 350 quilômetros do Mar Báltico. Saiba mais no www.wroclaw2016.pl/