Houve um tempo, lá no início dos anos 1980, em que se falava de sexo, sem alegorias, toda manhã, em plena TV aberta. Pela primeira vez, discutiam-se direitos femininos na TV com hora e frequência certa, falava-se em mercado de trabalho, duplas jornadas de mães e até de moda. O TV Mulher, programa criado por Nilton Travesso, serviu como referencial para todos os femininos criados a seguir, até hoje, sem que nenhum deles ofereça repertório que se iguale ao original. É aquele TV Mulher que agora serve de base para a releitura promovida pelo canal Viva em dez episódios, com um novo time de colunistas, sob o comando da mesma Marília Gabriela, a partir de amanhã.

Aliás, a mesma Gabi, não. Em entrevista na sexta-feira, 20, dois dias após uma maratona de gravações do novo programa em São Paulo, a jornalista, atriz e apresentadora disse que se deu conta de que não tinha noção do que estava fazendo na época. “Hoje é que percebo como a gente foi ousado em tocar nos assuntos que tocávamos, com muita delicadeza”, falou. “O TV Mulher de hoje tem mais espaço para discutir de maneira mais serena a agenda feminina dos programas que ele inspirou. Retomar aquela reflexão, hoje, me faz mais inteligente, me faz pensar no que fomos, no que éramos. Mesmo quando mediei os históricos debates naquele processo de redemocratização, fazia aquele trabalho como faço todos: como um trator. Fiz aquele programa sem perceber o que representava, ia me dividindo entre filhos que eu levava para o estúdio, levava a casa para televisão e a televisão para casa, crendo no que eu estava falando, mas sem refletir. Hoje envelheci, meus filhos cresceram, tive mais tempo de observar, pensar, eu me preparei para estar aqui, vou vivendo procurando respostas, o que sou, no que me tornei.”

A chance de rever o DNA do TV Mulher, atualizado pelo olhar de novos colunistas, é uma boa notícia. A má notícia é nos dar conta de que a bandeira feminina avançou muito pouco em 30 anos. Essa foi uma sensação que logo veio à tona na visita que a reportagem do Estado fez ao estúdio, em um dia de gravações. Apesar das conquistas enumeradas pela promotora de Justiça Gabriela Manssur, titular da coluna Justiça de Saia, continuamos a falar em salários desproporcionais, jornadas duplas, violência doméstica, etc.

Gabi entrevistará convidados ao final de cada programa, sempre trazendo a questão feminina à tona na conversa. Lá estarão Alexandre Nero, Anitta, Glória Maria e Juliano Cazarré, entre outros. Theodoro Cochrane, seu filho, cuida do figurino do programa e entrevista personagens importantes da dramaturgia brasileira, como Regina Duarte, Malu Mader, Susana Vieira, Marieta Severo e Renata Sorrah. E, boa notícia aos saudosistas, teremos, sim, flashes do TV Mulher original, de preferência em momentos históricos, como as participações de Sargentelli, Irene Ravache e Elis Regina.

Ao comentar a abordagem de sexo, agora, pela TV fechada, à noite, de um modo que já não se faz mais na TV aberta, como Marta Suplicy fazia pela manhã, no cenário original, Gabi não vê um quadro de regresso. “Não me tome por careta, sou a pessoa menos careta do mundo, mas teve um dia em que a Marta Suplicy entrou em tantos detalhes, com tanta franqueza, que eu falei pro Ney Gonçalves Dias (que apresentava o programa com Gabi): ‘ela vai acabar com a minha vida sexual’”, riu. Nova responsável pelo tema, a psicanalista e escritora Regina Navarro Lins comandará o quadro Muito Prazer. “Digo sempre que, quando se fala em sexo, muito se diz sobre prevenção e doenças e pouco se comenta sobre prazer”, conclui.

O que muda radicalmente é a coluna de moda. Foi no TV Mulher que o finado Clodovil Hernandes consagrou sua fama — boa e má. Desenhava croquis para as telespectadoras. Agora, Ronaldo Fraga se mostra um grande contador de histórias, com crônicas e enredos de um “Brasil profundo”, como a origem das bonecas feitas na Paraíba que inspiraram cadeira dos Irmãos Campana. “A imposição da cor e da forma, que o Clodovil fazia, ficou para trás”, fala. “A moda é um vetor que dá sinais de desgaste na maneira de se comunicar, perdendo espaço, por exemplo, frente à tecnologia e à gastronomia.”

O mineiro prestará uma homenagem a Ney Galvão, baiano que sucedeu Clodovil, de quem a Globo desistiu de ir atrás após vários problemas. “O Ney, doce, divertido como a moda não estava acostumada a ver – e ainda hoje não está – foi o primeiro baiano com sotaque numa TV que não podia ter sotaque”, conta. Uma das primeiras vítimas da aids, Galvão não teve, na história da moda brasileira, o espaço que merecia. E terá uma coluna toda de Fraga dedicada a ele.