LUCIANA DYNIEWICZ BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Em um ato não tão comum na diplomacia, a ministra das Relações Exteriores da Argentina, Susana Malcorra, palpitou sobre as eleições dos Estados Unidos e afirmou que declarações de Trump são preocupantes. “Adoraria não ter que dizer nada sobre as eleições de nenhum país, porque são assuntos internos, mas é certo que algumas declarações de Trump preocupam o mundo e não só a América Latina”, disse em uma entrevista coletiva na última sexta-feira (27).

O republicano, que já propôs a construção de um muro na fronteira com o México para impedir a imigração ilegal, causou mal estar no governo de Mauricio Macri no início de maio. Ele comentou pejorativamente que, se perder as eleições, os EUA poderão se transformar em uma Argentina ou em uma Venezuela. À época, Macri disse esperar que os americanos acreditassem e dessem importância para a relação com a América Latina e que “as declarações de Trump não foram muito encorajadoras”. Malcorra, mais dura, acrescentou que esperava que os americanos soubessem escolher seu próximo presidente -que será definido em novembro. Na semana passada, ela disse ainda que “gostaria que Trump estivesse mais bem informado” sobre o que acontece na Argentina.

Para a chanceler, independentemente do partido do presidente, os Estados Unidos sempre tiveram uma posição bastante clara em sua política internacional. Trump, no entanto, gera incertezas, diz. “Os EUA não são um país qualquer. São a primeira potência do mundo. Qualquer coisa que um candidato fale sobre como vê a relação com o mundo islã, com o México, com a América Latina ou com a Coreia do Norte tem impacto global”, afirmou.

O diplomata Roberto García Moritán, número dois do Ministério das Relações Exteriores da Argentina entre 2006 e 2008, concorda que Trump é imprevisível, mas diz não acreditar em mudanças com a América Latina. “Salvo com o México, não vejo possíveis alterações. O candidato só falou de migração. Fora isso, são nulos seus comentários sobre o assunto [política externa com a América Latina]”, disse. Um funcionário da chancelaria argentina que pediu para não se identificar afirmou ser cedo para analisar como ficaria a relação dos países em caso de uma vitória de Trump. “O vocabulário dele não é diplomático. Então é preciso esperar que o enfrentamento entre os candidatos republicano e democrata comece de verdade para ver como ele vai se posicionar.”

As relações entre Argentina e EUA mudaram neste ano, com o governo de Macri buscando uma reaproximação -selada com a visita do presidente Barack Obama a Buenos Aires em março. Sob o kirchnerismo (2003-2015), Buenos Aires havia se afastado de Washington, principalmente por questões ideológicas, e reforçado os laços com Caracas e Pequim.

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Apesar das críticas de ambos os lados, nem tudo indica uma relação complicada entre o governo de Macri e o candidato republicano. O argentino e o americano se conheceram pessoalmente nos anos 1980, quando as empresas dos dois negociaram a construção conjunta de um prédio em Nova York. Macri, então com pouco mais de 20 anos, foi o encarregado por seu pai, Franco, a liderar o projeto, que acabou ficando no papel.

Em 2012, Trump citou a família argentina em uma entrevista ao jornal “La Nación” sobre um investimento que lançava em Punta del Este, no Uruguai. “Conheço grandes homens de negócios na região [América do Sul], como Macri. É uma boa pessoa.” Questionado sobre a qual dos Macri se referia -Franco ou Maurício-, respondeu que conhecia os dois. “Me disseram que o filho está fazendo um bom trabalho em Buenos Aires [Mauricio era o então prefeito da cidade]. Aproveito para enviar-lhes meus cumprimentos.”