Todos nós acompanhamos pela mídia o estupro ocorrido com uma adolescente na favela do Rio de Janeiro. Estuprada por mais de 30 homens, esse gesto nos faz questionar não somente a nossa natureza humana, mas a banalização do mal (conforme já denunciou filósofa Hanna Arendt em sua obra Eichmann em Jerusalém) e a própria cultura do estupro presente em nosso país.
A compreensão, de mais esse caso de estupro, não pode ocorrer de forma independente de como a mulher é pensada e vista em nossa cultura. O pensamento machista, dominante na sociedade brasileira, propaga que as melhores qualidades da mulher estão diretamente ligadas a esfera do sexo.
Em conversa com colegas, alguns mais chocados com o ocorrido, usavam palavras como monstros ou pessoas diabólicas ao se referirem aos estupradores. Essa forma de pensar esconde um problema ético e bioético muito maior, dando a impressão que esses estupradores são pessoas muito diferentes dos outros homens e da nossa cultura machista. Pois há em nossa sociedade uma verdadeira cultura do estupro, como é possível de ver nas piadas sexistas, nas propagandas de bebidas alcoólicas, nas redes sociais e em toda a nossa rede de amigos.
Hanna Arendt, ao tratar da banalização do mal, nos mostra que essas pessoas não são diferentes das outras em sociedade. Assim como Eichmann se considerava inocente (embora responsável pela morte de milhões), os próprios estupradores encontram justificativas pelos seus atos, atribuindo a culpa à própria mulher.
Para a filósofa, uma sociedade que banaliza o mal permite que as piores ações humanas possam ser classificadas como normais e realizadas por pessoas comuns. A união da banalização do mal com a cultura do estupro, não poderia trazer outros frutos senão esses que estamos vendo. A prova, em nossa cultura, que o ato de estupro não representa um crime, mas um gesto de masculinidade, é a divulgação das imagens pelas redes sociais, como uma verdadeira celebração da barbárie.

Anna Silvia Penteado Setti da Rocha é pós-doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Bioética (PUCPR), e Anor Sganzerla é professor Doutor em Filosofia e docente do Programa de Pós-Graduação em Bioética (PUCPR)