Uma vez perguntaram a Billy Wilder como aguentava trabalhar com Marilyn Monroe, que bebia, era geniosa, cara, se atrasava e tinha dificuldade em decorar os diálogos. Wilder respondeu que sua tia era muito profissional e cobraria pouco, mas quem pagaria um cent para vê-la na tela em négligé? A piada define, pelo avesso, o que era Marilyn — a imagem luminosa, que enchia a tela. A câmera gostava de Marilyn, dizia Howard Hawks. E o espectador mais ainda. Pagava seu ingresso com satisfação para vê-la na tela grande. Fosse viva, Marilyn, a deusa loura, faria 90 anos hoje. Morreu dia 5 de agosto de 1962, de overdose, um coquetel fatal de álcool e pílulas para dormir.

Wilder a teve como atriz em algumas de suas melhores comédias, como O Pecado Mora ao Lado (1955) e Quanto mais Quente Melhor (1959). Nelas, a persona que Marilyn criou e fixou para sempre. A loura sensual, deusa do amor, misto de falsa ingenuidade e sensualidade autêntica.

Em O Pecado Mora ao Lado, ela leva à loucura seu vizinho (Tom Ewell), que fica só em casa quando a família sai de férias. Neste filme, há a cena famosa, um dos logotipos do cinema do século 20, em que o vento de um respiradouro de metrô levanta as saias de Marilyn e expõe o par de pernas magnífico. Naquele tempo, o erotismo precisava ser sutil.

Por isso mesmo era mais forte. Em Quanto mais Quente Melhor, numa das cenas de maior voltagem hormonal, Marilyn, seminua, contracena com Tony Curtis. Sabe-se hoje que a sequência teve de ser repetida inúmeras vezes, pois Marilyn tropeçava nas falas. Perguntaram a Curtis como havia sido. “Foi como beijar Hitler, só que sem o bigode”, respondeu o ingrato, tempos depois.

O fato é que a deusa do sexo chegara ao pedestal depois de uma infância e adolescência muito desfavoráveis. Não conheceu o pai e sua mãe entrava e saía de sanatórios. Norma Jean Baker Mortenson, nascida em Los Angeles em 1 de junho de 1926, passou a infância em orfanatos. Casou-se aos 16 com um operário e, quando o marido foi servir na 2ª Guerra, foi à luta concretizar o sonho secreto, fazer carreira no cinema. O começo foi o de sempre, pequenos papéis na tentativa de atrair a atenção dos estúdios.

Em 1950, Marilyn está em dois desses papéis, ambos em grandes filmes, A Malvada, de Joseph Mankiewicz, e O Segredo das Joias, de John Huston. Neste, fazia a jovem amante de um advogado mais velho e corrupto, vivido pelo grande ator Louis Calhern. O pouco tempo na tela, mas de brilho marcante, abriu de vez as portas para Marilyn. Sua grande explosão veio com Torrentes de Paixão, de Henry Hathaway, em 1953. O corpo perfeito, o andar insinuante, o olhar de malícia e inocência, a cabeleira loira (tingida), a voz ciciante — esse conjunto definiu a figura de Marilyn Monroe para o público. Mas Marilyn não era apenas um corpo, um rosto, uma voz, um olhar. Assistindo-se aos filmes, nota-se que tinha excelente veia cômica, timing e talento para a coisa. Além de sensual, era engraçada.

Isso não lhe bastava. Marilyn tentava (em vão) conciliar uma vida pessoal complicada com o desejo de aperfeiçoar-se. Sem psicologismos, a garota de infância difícil continuava presente no corpo da diva, consagrada, milionária e desejada do mundo todo. Entre seus maridos, teve o teatrólogo Arthur Miller, com quem permaneceu casada de 1956 a 1961. Estudou no Actor’s Studio, com Lee Strasberg. Em 1961, fez aquele que talvez seja seu melhor trabalho dramático, Os Desajustados, contracenando com um Clark Gable já doente, que também fazia seu último papel no cinema. Seria o último filme completo de Marilyn, seu legado, se quiserem.

Nesta altura, aos 35 anos, o frescor da juventude já a havia abandonado em parte. Passou a temer os closes, ela tão íntima da câmera. Continuava a beber demais e a tomar pílulas. Sua mistura favorita era champanhe com soníferos. Após o divórcio com Miller, a vida amorosa voltou à deriva. E havia o envolvimento com os Kennedy, então no poder. John era presidente e seu irmão, Bobby, procurador-geral da república. Consta que Marilyn esteve envolvida com os dois.

A carreira ia aos solavancos. Em 1962, começou a filmar Something’s Got to Give, com direção de George Cukor, tendo Dean Martin e Cyd Charrise como parceiros de elenco. O filme não chegou a fim. Instável e doente, Marilyn causava atrasos consideráveis. Ao longo da filmagem, pediu 17 licenças médicas. O estúdio aguentava porque afinal Marilyn era Marilyn. Além do mais, precisavam se ressarcir dos prejuízos com a filmagem de Cleópatra, que tinha outra encrenqueira como protagonista, Liz Taylor, e consumia milhões de dólares além do previsto.

A gota d’ água veio quando Marilyn abandonou o set para ir a Nova York cantar o mais sensual Parabéns a Você de todos os tempos para o presidente John Kennedy. O “Happy Birthday, Mr. President”, com voz de gata no cio é, ele também, um exemplo de como a sensualidade mistura bem com um toque de vulgaridade, mescla hormonal de que Marilyn detinha o segredo. A Fox a demitiu e o filme nunca foi terminado.

Restam seis horas de copião, que foram montados numa sequência lógica de 37 minutos, planta baixa do que seria o filme. Três meses depois da demissão, ela estaria morta. O vestido da cor da pele, usado no Parabéns a Você a Kennedy, que mais a despia que vestia, foi leiloado em 1999 por quase 1,5 milhão de dólares. É o mais caro da história.

Morta aos 36 anos, jovem e bela, Marilyn se tornou ícone para sempre. Como escreveu Cabrera Infante, que em seu escritório tinha apenas três pôsteres, todos de Marilyn: “É a última loura radiosa, mas também a loura eterna, o mito da mulher loura, a deusa branca, a lua que nasce e que renasce”. Até hoje a veneramos e desejamos, imortal que é nesse dispositivo enfeitiçado do cinema.