Um historiador disse certa vez que nossa relação com o tempo se dá em torno de dois campos: a experiência e a expectativa. O primeiro constitui o que conhecemos como passado e como presente e o segundo, o futuro. E nossa percepção das experiências e nossa concepção de expectativa é singular. A forma como sentimos é o resultado do jeito como aprendemos a sentir. Por isso, sem alguns parâmetros, alguma orientação, isso tudo que chamamos de nossa vida fica restrita a marcos estabelecidos por fora, por forças estrangeiras, como a mass media – para dar um exemplo cada vez mais onipresente – e passamos a nomear nossas vivencias e expectativas com as chancelas do momento midiático. Um exemplo claro desse processo é a relação com o nosso corpo. O cabelo da moda, da novela, da apresentadora de TV, da modelo em alta no mercado, torna-se parâmetro para definirmos a beleza de nosso próprio cabelo. Nem sempre percebemos, mas, seis meses ou um ano depois, estamos reavaliando nossa percepção de beleza graças à nova novela, apresentadora de TV, modelo e alta, etc.
A família contemporânea, em regra, afirma considerar uma virtude o estabelecimento de espaços para os filhos escolherem e firmarem suas próprias convicções: ele deve escolher por si mesmo, afinal, a vida é dele, não é mesmo? Ou: não quero fazer como meus pais, que impuseram o que eu deveria fazer.
O fato é que estamos muito distantes dos tempos nos quais a regra era a família escolher até com quem casaríamos. Mas agora estamos ficando igualmente distantes da prática de os mais experientes orientarem sobre como iniciarmos nossas próprias experiências. E as duas coisas são trágicas. Não. Considero a primeira opressora. A segunda situação, esta sim, é trágica. Não tenho a pretensão de demonizar as forças externas que colaboram na construção de nossa identidade. Pelo contrário, os suportes midiáticos dispõem de um sem número de informações pertinentes, úteis e formativos. O que devemos entender, porém, é que esses conteúdos precisam ser encontrados e as crianças e jovens precisam ser estimuladas a conhecê-los. E aí que entramos nós, pais, professores e adultos afins dessas crianças e jovens. Sem assumirmos a responsabilidade de orientar, conduzir e corrigir os passos de ingresso deles no mundo público, não poderemos depois imputar a eles a inaptidão no trato com o coletivo.
Já nos anos 80, o semiólogo Umberto Eco disse que no futuro – e quando ele disse isso nem havia internet – o fluxo de conteúdos seria tão grande que ninguém poderia mais reclamar da falta de informações. Mas um novo problema surgiria: como encontrar as informações que nos interessam? Como saber quais são confiáveis? Como discerni-las de outras e assumi-las como parte de nossa formação? E qual a resposta para essas perguntas? Nós, novamente. Se não acreditarmos que o nosso protagonismo na orientação para o mundo público, tanto no que concerne a iniciação da experiência (que significa sair do perímetro) como para oferecer um repertório de expectativas às crianças e jovens, saibam que as forças mais rasteiras e mesquinham acreditam. Salvo as honrosas exceções, é nosso esforço constante de adultos que vai melhorar o mundo público. As crianças e os jovens precisam ser preparados e depois acompanhados nesse processo de inserção no mundo público, de ação consciente nesse mundo até enfim assumirem a titularidade. E é esse o melhor presente para as crianças e jovens que podemos imaginar dar a eles.

Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica pela UFPR e professor do Curso Positivo