FERNANDA ODILLA
LONDRES, REINO UNIDO (FOLHAPRESS) – O Reino Unido mergulhou num cenário de incerteza e turbulência tão logo foi encerrada a contagem dos 17,4 milhões de votos que garantiram o histórico rompimento do Reino Unido com a União Europeia (UE).
O “Brexit”, fusão das palavras em inglês “saída” e “britânica”, venceu com 52% dos votos dos britânicos que participaram do plebiscito, mas deixou o país sem liderança para conduzir o processo de retirada do bloco e assustou o mercado financeiro a ponto de derrubar bolsas em diferentes continentes e provocar a desvalorização recorde da libra em relação ao dólar em décadas.
Ainda na manhã de sexta-feira (24), David Cameron, que comandou a campanha pela permanência no bloco, anunciou que renunciará ao cargo de premiê.
Cameron, contudo, não fixou uma data para deixar o número 10 da rua Downing, residência e escritório oficial do primeiro-ministro britânico. Deixou não apenas o Partido Conservador britânico mas também o Reino Unido sem saber quando começa o processo e também quem será o responsável por negociar os termos Brexit em nome dos britânicos.
“O Reino Unido precisa de uma nova liderança. Como primeiro-ministro vou fazer tudo que posso para segurar o navio durante as próximas semanas e meses. Mas eu não acho que seria certo para mim ser o capitão que orienta nosso país para seu próximo destino”, afirmou, com a voz embargada, citando o encontro dos conservadores em outubro como uma possível data para a troca de comando.
Além de perder o premiê e de oficializar uma disputa interna no Partido Conservador, o Reino Unido ouviu nesta quarta integrantes do principal partido de oposição, o Trabalhista, verbalizarem a vontade de trocar de líder, viu a Escócia e a Irlanda do Norte ameaçarem dar um passo rumo à independência e assistiu ao populismo xenófobo festejar o resultado do plebiscito em toda a Europa.
Tamanha turbulência foi classificada pelo jornal “Financial Times” de “crise constitucional” de grande escala.
Para agravar ainda mais o cenário de incerteza, há muitas dúvidas sobre quando começa e como será o processo de saída do bloco.
O Parlamento britânico precisa referendar o resultado do plebiscito e o Conselho Europeu, com sede na Bélgica, deve ser formalmente notificado para dar início às negociações previstas para durar pelo menos dois anos.
“O que acontece a seguir é a grande pergunta, que ninguém ainda pode responder”, observa o professor de política Tim Bale, da Universidade Queen Mary, em Londres.
Uma eventual tentativa do Parlamento de rejeitar o resultado do plebiscito seria tão improvável quanto suicida, mas nada impede que os deputados atrasem o processo.
“O Parlamento, que, afinal, contém uma grande quantidade de parlamentares pró-UE poderia tornar as coisas mais complicadas e é por isso que o novo primeiro ministro vai querer uma eleição antecipada”, diz Bale.
União Europeia e Reino Unido
Não há, contudo, um novo primeiro-ministro. A renúncia de Cameron abriu a disputa no partido, que está rachado. Os dois principais nomes que surgem automaticamente são do ex-prefeito de Londres, Boris Johnson, e da ministra Theresa May -esta com as chances reduzidas por ter apoiado a permanência no bloco europeu.
Johnson, que abraçou a campanha para sair do bloco, afirmou nesta sexta que não há pressa para dar início ao processo de retirada da UE. Nesta sexta, ele ainda comemorava a vitória falando em “oportunidade gloriosa” para o Reino Unido.
Apesar de ter grande apoio na base do Partido Conservador, ele ainda precisa costurar suporte entre os parlamentares, que têm a palavra final na escolha do líder, que automaticamente vira primeiro-ministro.
“Boris Johnson está com força, é muito difícil ver alguém capaz de pará-lo. Claro que, às vezes, quem sai na frente pode tropeçar -e um líder mais jovem com um background mais ‘comum’ poderia nos surpreender, mas eu duvido”, completa o professor Bale.
A disputa entre os conservadores não é a única que o Reino Unido vai precisar encarar. A liderança de Jeremy Corbyn no Partido Trabalhista também está sendo questionada, apesar de ele garantir que não renuncia.