FERNANDA ODILLA LONDRES, REINO UNIDO (FOLHAPRESS) – Desde o dia que o Reino Unido decidiu romper com a União Europeia, na quinta-feira (23), mais de 3,1 milhões de pessoas já assinaram uma petição feita junto ao Parlamento britânico para a realização de um segundo plebiscito sobre a permanência ou saída do bloco europeu.

A iniciativa atraiu quem não votou e também arrependidos com os efeitos imediatos do plebiscito que fez o primeiro-ministro David Cameron anunciar que deixaria o cargo, abriu uma crise no Partido Trabalhista com a renúncia de metade dos aliados do líder oposicionista Jeremy Corbyn neste domingo (26) e que criou uma convulsão no mercado financeiro em todo mundo.

Mas a coleta de assinaturas também irritou quem apoia a saída da UE e é vista com descrédito por muita gente que foi voto vencido no plebiscito.

Até mesmo quem assinou a petição acredita que dificilmente haverá uma nova consulta popular. A grade aposta, contudo, é na força da pressão popular para impor um debate mais aberto e um ritmo mais lento ao processo de saída do bloco, que ainda guarda muitas incertezas sobre como e quando será conduzido. Estima-se que, uma vez formalizadas, as negociações devem se arrastar por dois anos. A saída precisa ser avalizada pelo Parlamento britânico antes de seguir para o Conselho Europeu, na Bélgica, onde fica a sede da UE.

FRAUDE — Neste domingo, o comitê de petições do Parlamento informou, por meio de nota, pretende analisar a petição nesta semana e pode marcar uma audiência para debater o pedido de um segundo referendo. “Não significa que o comitê vai decidir se concorda ou não com a petição, é apenas para definir se ela deve ou não ser debatida”, esclareceu a deputada Helen Jones, presidente do comitê de petições do Parlamento.

Para Jones, “está claro que essa petição é muito importante para um número significativo de pessoas. Ela alertou ainda que as assinaturas serão checadas para evitar fraudes -neste domingo foram retiradas 77 mil assinaturas por suspeita de serem falsas. A petição foi criada quase um mês antes da data do histórico plebiscito, que aconteceu em 23 de junho.

Tinha apenas 22 assinaturas quando foi anunciada a vitória para o Brexit, fusão das palavras em inglês “saída” e “britânicos” para definir o rompimento do Reino Unido do bloco do qual fazia parte desde 1973. Com 52% dos votos válidos, o numa eleição que contou com participação de 72,2% dos eleitores registrados -no Reino Unido o voto não é obrigatório A petição diz que as assinaturas são para aplicar uma regra que estabelece uma nova consulta quando o lado vencedor tem menos que 60% dos votos e número de pessoas que foram votar é 75% menor que as registradas. Na tarde deste domingo, contava com o apoio de mais de 3,2 milhões de nomes.

QUESTIONAMENTOS — A viabilidade de uma nova consulta é questionada até mesmo por aqueles declaradamente pró-UE. A estudante inglesa Anna Grimaldi assinou a petição tão logo soube do pedido. “Mas eu pensei bem e acho que um segundo plebiscito pode ser algo perigoso”, observou.

Para a estudante, as pessoas que rejeitam o resultado “não só estão rejeitando uma prática democrática como também estão lavando as mãos de qualquer outra responsabilidade”. Anna está trabalhando em sua própria petição. Ela pretende recolher assinaturas para fazer o governo trabalhar junto com os eleitores dos dois lados para construir um futuro viável para o Reino Unido.

Ainda que considerado uma “causa perdida” por muitos, somente o debate por uma segunda consulta pode ser produtivo. “Não assinei ainda, mas vou fazê-lo para dar meu apoio a um resultado cujas consequências precisam ser melhor discutidas”, avalia o contador Jordan Wood, logo depois de tomar café da manhã em Westminster, coração político do Reino Unido na capital inglesa. A poucos metros dali, a australiana Lidia Crocran limpava as cadeiras e mesas de um restaurante. Ela não votou na semana passada, mas afirma que se tivesse um segundo plebiscito iria às urnas para manter o Reino Unido na UE -além de britânicos e irlandeses, também puderam votar os cidadãos do Commonwealth (associação de 53 países historicamente ligados à Coroa) que vivem no país.

“As pessoas se assustaram. Aqui muita gente ficou insatisfeita com o resultado, mas Londres é diferente”, disse a garçonete. Mas quem saiu vitorioso na disputa e está convencido de que o futuro do país será melhor fora do bloco europeu condena a petição. “É um lixo que coloca em risco a democracia. Foi uma disputa apertada, mas venceu a vontade da maioria e isso precisa ser respeitado”, diz a enfermeira Norma Shanta. Para ela, os defensores do Brexit são pessoas que estão dispostas a passar por um momento difícil antes de ver o Reino Unido fazer suas próprias normas e ter condições de melhorar a vida das pessoas.

PRECEDENTE — A professora Fiona Macaulay, da Universidade de Bradford, afirma que uma segunda consulta é viável e há um precedente. Em 2008 e 2009, a Irlanda fez dois plebiscitos para opinar sobre o Tratado de Lisboa, que alterou o funcionamento do bloco.

“O problema é político. A maioria dos deputados querem ficar na UE. Pessoalmente, penso que segundo referendo, com o Leave [nome da campanha que quer sair do bloco] forçado a colocar seus planos para o futuro, é o único caminho a seguir” Mas para o cientista político Anthony Pereira, diretor do Brazil Institute no King’s College London, a costura de um acordo pós-Brexit é o máximo que o Reino Unido pode fazer para manter-se conectado com o bloco europeu. “A ideia de um segundo referendo é uma causa perdida. A UE quer o Reino Unido fora o mais rápido possível”, observa Pereira.