Determinação e o desejo de recomeçar a vida são sentimentos comuns ao grupo de 120 haitianos que concluiu o curso instrumental de Língua Portuguesa oferecido pela Secretaria Municipal da Educação. A certificação dos imigrantes aconteceu na noite de segunda-feira (27) em uma cerimônia marcada por alegria e muita emoção, no Centro de Formação Continuada da Educação, no Centro.

Familiares, amigos e professores prestigiaram a conquista da turma formada por jovens e adultos que participaram do curso promovido em quatro escolas da rede municipais de ensino, por meio do Projeto Haiti, desenvolvido pela Coordenadoria de Políticas Educacionais para Jovens e Adultas (Copeja). Jerson Compere, de 19 anos, comemorou o certificado como mais uma etapa vencida neste recomeço de vida.

É o primeiro de muitos diplomas que quero conquistar no Brasil. Tenho pressa em dominar o português, pois farei concurso vestibular em breve para tentar vagas nos cursos de medicina, direito ou administração de empresas. Meu plano é fazer mestrado e poder contribuir tanto no Haiti quanto no Brasil, disse o jovem que há cinco meses chegou ao Brasil e escolheu Curitiba para viver.

Aprender a língua portuguesa foi um desafio para as irmãs Hisly Renaud Pierre Lavine e Leger Loriese, que vieram ao país acompanhando os maridos em busca de trabalho e melhores condições de vida. A falta do idioma tem sido uma barreira para questões práticas do dia a dia, como buscar atendimentos, fazer compras e, principalmente, conseguir um emprego. Sou professora e no Haiti trabalhava com crianças pequenas, mas precisarei recomeçar em uma nova área aqui no Brasil e o certificado conquistado irá me ajudar, comemora Leger.

Hisly também teve pressa em aprender português, tem duas filhas para cuidar e precisa de trabalho para reforçar o salário que o marido recebe como frentista de posto de gasolina. Não é fácil deixar o país, a família e buscar outro país para poder ter melhores oportunidades, contou Hisly, mãe de duas meninas, uma delas matriculada no 1º ano da Escola Municipal Prefeito Omar Sabbag, no Cajuru.

Entre os estudantes certificados havia engenheiros, professores, arquitetos, enfermeiras, artistas, soldadores e outros profissionais, além de estudantes que dependem do domínio do idioma para conquistar nova colocação no mercado ou tentar uma carreira no Brasil.

O projeto Haiti é desenvolvido desde 2013 e já garantiu certificação em língua portuguesa para mais de 500 imigrantes. Oferece o curso em nível básico, com carga horária de 60 horas, com objetivo de promover a inclusão dos imigrantes por meio da oferta da Língua Portuguesa como instrumento de integração social. O curso inclui atividades cotidianas como elaboração de cadastro de emprego, mediações de entrevista, procedimentos necessários para emissão da carteira de trabalho, procura de emprego, expressões necessárias para comunicação em posto de saúde, pedidos de informação, operação bancária, aluguel de imóvel, compras e relacionamentos. Temos trabalhado com dedicação, profissionalismo e muito respeito para transformar palavras em pontes, disse a secretária municipal da educação, Roberlayne Borges Roballo.

A partir do projeto Haiti temos nos apropriado da educação para melhorar o diálogo dos imigrantes com a cidade. Queremos que a palavra escrita e falada sirva de ponte para que vocês possam chegar às escolas, aos serviços essenciais para o dia a dia, mas também ao comercio, às empresas e as universidades, disse Roberlayne.

 

Nova fase migratória

Curitiba é uma das cidades brasileiras que mais recebem imigrantes haitianos. Há estimativas de que sejam aproximadamente cinco mil vivendo na cidade atualmente. A presidente da Fundação de Ação Social (FAS), Márcia Oleskovicz Fruet, ressaltou a necessidade de que os imigrantes sejam atendidos em suas demandas assim como acontece com os demais cidadãos curitibanos. Estamos vivendo nova fase migratória e assim como foi em décadas passadas, quando ucranianos, poloneses, alemães, italianos e outros povos ajudaram a construir Curitiba, os haitianos e demais imigrantes têm buscado a capital para recomeçar, mas também para oferecer sua participação e são todos muito bem-vindos, disse Márcia.

Foi o cantor haitiano Berthony Pierre quem abriu o evento cantando o hino do país. O clima de emoção mesclava a saudade dos estudantes em relação à pátria com a alegria pela conquista da certificação. A exposição “Vozes do Haiti”, montada no hall de entrada e iluminada nas cores da bandeira, vermelho azul, apresentou aos participantes relatos em forma de texto e imagens produzidos pelos estudantes ao longo do curso. Também foram apresentados o vídeo documentário “Saudade PON. TE para o Haiti”, produzido por Diego Baffi, da Faculdade de Artes do Paraná.

Neste semestre, o Projeto Haiti foi desenvolvido nas escolas municipais Germano Paciornick, no Boqueirão; Augusta Gluck Ribas, no Bairro Novo; Irati e Linneu Ferreira do Amaral, ambas no Cajuru. As aulas aconteceram de março a junho, ministradas pelas professoras municipais Ciomara Amorelli Viriato da Silva, Lourdes Beatriz Vieira, Magda Xavier e Narali Marques da Silva.

 

Iniciativa 

O Projeto Haiti teve início em agosto de 2013, com atividades na Escola Municipal Professor Brandão, no Alto da Glória, com um grupo pequeno, com menos de 60 alunos. Os alunos recebiam lanche e material gratuito para as aulas. A procura elevada pelas aulas de língua portuguesa fez com que a Secretaria Municipal da Educação buscasse parceria com a Centro de Línguas e Interculturalidade da Universidade Federal do Paraná, solicitando abertura de oito turmas com aulas aos sábados.

No ano seguinte, com uma demanda ainda maior para ser atendida, teve início uma nova parceria, dessa vez da Secretaria Municipal da Educação com a Fundação de Ação Social (FAS), que resultou no curso instrumental de Língua Portuguesa para estrangeiros. Em 2015, para facilitar o acesso dos estudantes ao curso, as aulas aconteceram nas escolas municipais e uma nova parceria com a Aliança Francesa buscou auxiliar os haitianos que passaram pelo curso a encontrarem uma colocação no mercado. São alunos muito dedicados e valorizam a educação, o aprendizado e as nossas aulas. Eles gostam dessa troca de cultura e de línguas, disse a coordenadora de políticas educacionais para jovens e adultos, Maria do Socorro Ferreira de Moraes.

Neste ano, o Projeto Haiti ampliou seu território de alcance, abrindo turmas na regional Boqueirão, Bairro Novo e Cajuru. A Secretaria Municipal da Educação também tem atendido aos filhos e filhas de imigrantes que estão chegam a Curitiba, sem falar o português, e que se matriculam nas escolas da rede municipal. A equipe de Língua Estrangeira do Departamento de Ensino Fundamental oferta curso para diretores, pedagogos, professores e assistentes administrativos das escolas para que ofereçam o melhor acolhimento e atendimento aos alunos estrangeiros.

Também participaram da cerimônia de certificação o assessor de Direitos Humanos e Igualdade Racial do Gabinete do prefeito, Igo Martini; a presidente da Associação dos Haitianos de Curitiba, Laurette  Bernardin; e o diretor da Aliança Francesa, Bertrand Lacour.