MAURICIO MEIRELES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quem não acordou cedo porque ficou bebendo até tarde -o que costuma esvaziar as primeiras mesas da programação da Flip- perdeu a discussão sobre a influência de Ana Cristina Cesar na poesia contemporânea.
Como não poderia deixar de ser, esse foi o assunto do debate “A Teus Pés”, que reuniu as poetas Marília Garcia, Laura Liuzzi e Annita Costa Malufe na manhã desta quinta-feira (30), em Paraty. A mediação foi da editora Ana Lima Cecilio.
“Embora digam que somos herdeiras [de Ana C.], acho que ela abriu uma porta, mas escolhemos outros caminhos”, afirmou Laura Liuzzi em dado momento.
Ela se referia ao caráter fragmentário da obra de Ana Cristina Cesar, ao passo que vê, na produção contemporânea, um caráter narrativo que não havia nos textos da poeta marginal.
“Temos modos de escrever semelhantes em alguns pontos e diferentes em alguns outros”, afirmou Laura.
Marilia avançou no assunto, ao destacar que na verdade Ana C. é “contemporânea dos seus netos” –já que a autora antecipou usos da linguagem que só depois apareceram na poesia brasileira. Para ela, a homenageada da Flip usou elementos que hoje podem ser vistos como contemporâneos.
“A poesia dela é uma espécie de marca, a proposta de um novo paradigma. Assim como é difícil haver poetas que não tenham passado pela poesia concreta, é difícil que a poesia marginal não tenha feito parte desse caldeirão também”, afirmou Annita.
“É como se ela fosse um emblema de uma poesia experimental absolutamente contemporânea”.
DICÇÃO FEMININA
Assunto recorrente em mesas com autores, as três poetas da mesa foram questionadas sobre se existe ou não uma dicção feminina na literatura.
“Como desde que nascemos somos homem ou mulher, é uma das coisas que participam da nossa poesia. Mas entre milhares de outras: onde nasci, onde estudei, o que vejo, o que gosto de fazer”, afirmou Annita. “Se tudo isso participa, como não vai participar o meu gênero?”
Para a autora, o problema são os clichês. Quando se fala em “poesia feminina”, disse, há uma “identificação estereotipada” do que é ser mulher.
Já Laura citou um ensaio de Ana Cristina Cesar sobre Cecilia Meireles.
“Ela fala sobre poemas que têm essa ideia do feminino correspondido nessa coisa um pouco etérea. O feminismo da Ana é o contrário disso. “Ela com uma poesia com o corpo, o corpo dela, que também é o nosso corpo”, disse.
“A Ana pega gêneros femininos, como carta e diário, que eram lugares onde a mulher podia escrever, mas vai subverter isso tudo. Vai justamente jogar com eles”, acrescentou Marilia.
POEMA DE TEMER
Laura Liuzzi arrancou, logo em sua primeira fala, aplausos da plateia. Ela leu um poema, sem dizer o autor -e só ao final do texto revelou ser de autoria do presidente interino, Michel Temer
“Esse poema em que falta muita poesia é do nosso presidente interino, Michel Temer. Como vocês podem ver, ele tem tanta legitimidade como poeta quanto tem como presidente”, afirmou.
Leia o poema:
Por quê?
Por que não paro?
Por que prossigo?
Por que insisto?
Por que lamento?
Por que reclamo?
Por que ajo?
Por que me omito?
Por que desabo?
Por que levanto?
Por que indago?
Por que questiono?
Por que respondo?
Por que este infindável?
Por que?
Chamada Flip