LUIZA FRANCO, ENVIADA ESPECIAL
PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – Os arquitetos Francesco Careri e Lucia Leitão fizeram uma ode à caminhada na mesa “Cidades Refletidas”, que aconteceu nesta quinta (30), na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty).
Careri é arquiteto, professor na Università degli Studi Roma Tre e autor de “Walkscapes: O Caminhar Como Prática Estética” (ed. bras. Gustavo Gili, 2015). Leitão é professora da Universidade Federal de Pernambuco e escreve sobre a articulação entre arquitetura e psicanálise, por exemplo, em “Onde Coisas e Homens Se Encontram” (Anablume, 2002).
Para os dois arquitetos, caminha-se pouco nas cidades, e isso tanto reflete quanto traz consequência para a sociedade que construímos nela.
“Um autor americano diz que cidade que não tem lugar pra caminhar também não tem lugar para a alma. Essa é a marca da sociedade brasileira. Vivemos negando a rua. Gilberto Freyre falava que, na cidade colonial brasileira, as ruas eram caminhos para casas poderosas, exatamente a função que damos a elas hoje, onde temos cidades para o carro”, disse Leitão.
“Ao caminhar num espaço urbano, passamos por lugares que não correspondem à nossa ideia de cidade, então apagamos eles da memória. Nesse sentido falo da amnésia urbana. O que faço com meus alunos é exatamente isso, entender que existem regiões de sombra, uma parte escondida no inconsciente da cidade. É uma reapropriação do espaço”, disse Careri, que os estimula a caminhar e até mesmo entrar em espaços privados.
Como tem sido em todas as mesas da Flip, falou-se de política.
“A imagem de manifestantes contra e a favor do impeachment separados por uma grade em Brasília no dia da votação contra a presidente -legitimamente eleita, ao meu ver- me chocou muito. Ela mostra a dificuldade que temos com a rua e de encontrar o outro, por isso somos uma sociedade mais pobre”, disse Leitão.
A menção política pareceu agradar boa parte do público, pois houve aplausos, mas não a todos. Quando a mesa foi aberta para perguntas da plateia, uma pessoa enviou um comentário anônimo pedindo que o mediador, o crítico literário e editor Ángel Gurría-Quintana, desse voz “a nós, que não concordamos com a politização da Flip”. A leitura da observação foi seguida de gritos de “fascista” e “Fora Temer”, dentro e fora da tenda, entre os que assistiam à mesa no telão.
IMIGRANTES NA CIDADE
Careri dirige um centro em Roma que realiza pesquisas e cursos sobre habitação popular e integração multicultural no espaço público, se concentrando em comunidades excluídas, o Laboratorio Arti Civiche, por isso foi questionado pela plateia sobre como as cidades europeias estão reagindo à chegada de imigrantes.
“É um fenômeno que observo e acompanho há quase vinte anos e que, neste momento, tornou-se mais evidente. Os centros de asilo estão a 50, 60 quilômetros das cidades, são mantidos o mais distante possível delas. É preciso culpar a Europa e a ONU por tudo isso, é preciso resgatar as pessoas antes que atravessem o mar. Precisamos organizar a cidade para acolhê-las, não para construir campos de concentração.”