RICARDO BONALUME NETO SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Cientistas acharam um “gene da masculinidade” que pode ser fatal para fêmeas -mas, no caso, apenas do mosquito transmissor da malária. A pesquisa do Instituto Pirbright, em Surrey, no Reino Unido, identificou o gene Yob no cromossomo Y do mosquito da espécie Anopheles gambiae, o mais letal vetor da doença na África. Trata-se do segundo gene semelhante encontrado em insetos. O primeiro foi um gene determinante da masculinidade, o Nix, identificado no Aedes aegypti, principal transmissor de dengue e zika. Essas descobertas podem facilitar o controle da transmissão dessas doenças ao selecionar sexualmente e matar as fêmeas. Os machos não se alimentam com sangue humano. Já as fêmeas têm esse vampiresco hábito, durante o qual transferem para o sangue os parasitas e vírus causadores de doenças. Os pesquisadores notaram que o gene Yob começa a ficar ativo cerca de duas horas depois que os ovos de mosquito foram postos, e antes de outros genes que já se sabia estarem associados à determinação do sexo. Nestas primeiras horas o sexo é determinado por um sinal genético que ativa uma verdadeira “cascata” de genes. O estudo consistiu em sequenciar -determinar letra por letra do alfabeto genético- todas as mensagens químicas produzidas por embriões, machos e fêmeas, do mosquito. A comparação revelou que apenas os machos tinham os fragmentos correspondentes ao Yob. Mas o que veio em seguida foi particularmente encorajador: o Yob revelou-se um matador de fêmeas por meio dos seus “transcritos”. A transcrição é o primeiro passo da expressão gênica, isto é, o processo pelo qual a informação contida no gene é usada para sintetizar um produto funcional, em geral proteínas. Na transcrição, um trecho de DNA (ácido desoxirribonucleico) é copiado na forma de RNA (ácido ribonucleico), mais especificamente o mRNA -RNA mensageiro. Embriões de fêmeas injetados com o mRNA transcrito do Yob não sobreviveram, assim como embriões machos privados do gene. O Yob é expressado durante toda a vida do macho. Segundo os cientistas, o Yob também tem outra função importante no desenvolvimento do embrião, a de “dosar” o nível de transcritos de genes localizados no cromossomo X. Nos machos isso produz uma grande expressão gênica, uma forma de compensar por só ter uma cópia do cromossomo. Já nas fêmeas, com seus dois cromossomos X, a presença do Yob leva a uma transcrição exagerada dos dois, com resultados fatais. COMBATE Jaroslaw Krzywinski, um dos líderes da pesquisa, lembra que inseticidas e drogas têm ajudado a controlar a malária, mas é necessário agir em várias frentes, pois tanto o mosquito como o parasita podem adquirir resistência. “Estratégias genéticas, como as utilizadas com sucesso para controlar pragas agrícolas, têm um grande potencial. No entanto, elas exigem a libertação de apenas mosquitos machos, o que representa um obstáculo intransponível para estender o controle genético para vetores da malária, porque não há métodos eficientes para separar os sexos em anopheles atualmente”, diz o pesquisador. “Agora, a propriedade de matar fêmeas com o gene Yob nos dá uma valiosa ferramenta para a produção via engenharia genética de machos de anopheles adequados para o controle da malária no futuro”, conclui Krzywinski. Em um comentário sobre a pesquisa publicado na mesma edição, Steven P. Sinkins, da Universidade Lancaster, Reino Unido, afirma que apesar de o uso do Yob como um mecanismo transgênico para determinar sexo e matar fêmeas ser uma possibilidade, além de ajudar também na estratégia de lançar machos estéreis no ambiente, o custo disso seria proibitivo para ser usado em toda a África. Mas a descoberta pode ajudar em estratégias autossustentáveis, como a ideia de produzir mosquitos incapazes de transmitir o parasita, ou causar uma crise populacional ao desequilibrar a relação entre machos e fêmeas na natureza, “talvez a probabilidade mais excitante no contexto de controle da malária”, afirma Sinkins.