JULIANA GRAGNANI
PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – “Ou eu escrevo ou eu morro”, afirma a brasileira Roberta Estrela D’Alva, ao lado da poeta, dramaturga e rapper inglesa Kate Tempest, que faz um gesto afirmativo e diz concordar. D’Alva, atriz e diretora, é fã de Tempest. A inglesa, avessa a entrevistas, aceitou dar esta quando soube que a brasileira, que também admira, a acompanharia.
A reportagem juntou as duas nesta sexta (1º) na Flip, em Paraty, para um bate-papo sobre poesia falada, presente na obra de ambas. Na abertura do evento literário, num sarau apresentado por D’Alva, a performance das duas, com seu “spoken word” -ou poesia falada-, hipnotizou o público.
Tempest lança o romance “Os Tijolos nas Paredes das Casas” (Casa da Palavra) e participa de mesa na Flip às 21h30 deste sábado (2) com o poeta Ramon Nunes Mello.
D’Alva, membro fundadora do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, também é uma “slammer” e pesquisadora, autora de “Teatro Hip-Hop” (Perspectiva, 2014), que ordena a história da cultura hip-hop. Do livro, a definição de “poetry slam”: “uma competição de poesia falada, um espaço para livre expressão poética, uma ágora onde questões da atualidade são debatidas ou até mesmo mais uma forma de entretenimento”.
Na entrevista, ela diz que a poesia falada vem da tradição oral: “Somos como uma tribo de guerreiros sentados em volta do fogo, trocando histórias. Mas agora nosso fogo é o microfone”.
PAIXÃO E URGÊNCIA
Tempest explica que sua “paixão e amor pela humanidade” a levam a “tentar entender as coisas terríveis que somos capazes de fazer” e dar forma a esses questionamentos com sua obra. Em Paraty, o poema falado por ela tratava da conexão entre as pessoas.
Para D’Alva, a escrita é a urgência de dizer algo. “Se eu não for escrever, se não estiver no teatro, eu morro, porque nesse mundo, como é que se vive? A polícia está matando um moleque de dez anos na frente da mãe dele. Ou você escreve ou você morre nesse mundo.”
“O poema na página não está terminado. A leitura lhe dá vida. O poema na página é um mapa, mas não é o destino. Ele precisa de você para seguir sua jornada e transformar-se num poema. Poesia é linguagem cantada”, afirma Tempest.
“A performance é um modo de lembrar-nos a sermos humildes, e falar ‘com’, não só ‘sobre’. Estamos num momento em que os artistas são celebrados e elevados, mas o papel do poeta é estar ligado à sociedade”, completa.
NÃO CAI BEM
Tempest conta sobre um poema seu que dura 75 minutos -“durante as performances, eu me dava demais, era muito desgastante”- e diz que agora é mais “como água” e menos “como fogo”, como era no início da carreira.
“É como dar à luz, dar o sangue”, diz D’Alva sobre a performance, apontado para o útero e o coração. “É um transe consciente. Você dá forma a uma energia. É como se você fosse um meio para transmitir essa energia.”
A reportagem pede para Tempest recitar um poema, mas ela nega. Num ritmo quase como o de uma poesia falada, ela explica: “O problema em fazer isso é que começa a parecer uma mercantilização de algo que acabamos de falar que é profundo, impulsivo e importante. E daí começar do nada a fazer uma versão exagerada para a câmera me parece dissimulado, e isso não me cai bem”, diz.
“Eu entendo, porém, que eu sou nova aqui, e tenho que me impor, me vender, mas eu não gosto. Parece um truque, um truque barato. Mas ao mesmo tempo, qual é a diferença entre eu falar com você e eu falar com uma plateia de pessoas? É o seu coração e o meu coração, que já estão conectados. Meu conflito é o mesmo conflito que muitos outros artistas encontram, porque você quer atingir o maior número de pessoas possível, mas quer fazer isso enquanto mantém uma integridade”, continua.
E conclui: “Você trabalha sua vida inteira construindo credibilidade e você a perde em um momento. Você a mantém a vida inteira e você não escuta seus instintos por um minuto e você a perde pra sempre. Esta é a jornada que eu estou representando.”
“Isso para mim é histórico”, diz D’alva. “Você diz ‘não’, e esse ‘não’ é tão importante quanto você falando o poema.”