JULIANA GRAGNANI E LUIZA FRANCO, ENVIADAS ESPECIAIS
PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – A inglesa Kate Tempest, 31, e o carioca Ramon Nunes Mello, 32, transformaram a leitura de seus poemas em um show. Os dois participaram da última mesa na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) deste sábado (2).
E o público pediu mais. Atendendo a pedidos da plateia, os dois interpretaram mais poemas no fim da mesa, intitulada “O palco é a página”.
“Esse poema não está registrado por escrito. Mas aqui vai, vocês podem escutar ao vivo”, disse Tempest, que sabe os poemas de cor, como música, e os interpreta de pé, ora de olhos fechados, com gestos que lembram o rap, no estilo do gênero “spoken word”. Ela foi ovacionada de pé pelo público.
A artista dissera no início da mesa que a leitura em voz alta dá vida ao poema. “Poesia é linguagem cantada. O poema é algo inacabado até que é lido.”
Nunes Mello, por sua vez, tocou uma concha como um berrante antes de interpretar, também teatralmente, um melancólico poema. Sua participação na conversa foi marcada por temas políticos: começou homenageando homossexuais e indígenas; depois, criticou o presidente interino Michel Temer. “Me sinto profundamente envergonhado com o governo Temer. É inadmissível o governo acabar com o Ministério dos Direitos Humanos, das Mulheres, isso não existe, é crime.”
O poeta contou como descobriu que é soropositivo e falou como isso influenciou sua obra. “Eu não conseguia escrever sem ser atravessado por essas questões. Passei a me espiritualizar mais, meditar. Isso me ressignificou a vida. Passei a me relacionar com as palavras de forma melhor.”
Ainda que tivesse dito que não falaria de política para não entendiar as pessoas, Tempest acabou falando, e muito. Impelida pelo mediador, Daniel Benevides, a falar sobre o Brexit, disse: “Fico arrasada. Ao mesmo tempo que vejo um mundo ficando mais pacífico e tolerante, ser confrontada com a realidade que meus conterrâneos têm tanto medo do diferente que preferem ficar isolados numa ilhota fria me deixa muito triste. Por outro lado, pode acabar sendo uma coisa boa. Vai ter que piorar muito para depois melhorar”.
Para ela, os mais jovens, que não puderam votar e crescerão num país mais intolerantes talvez tomem mais consciência e reajam, mas isso vai demorar muito.
Um ponto alto foi quando Tempest falou sobre gênero, sobre como é um desafio para a mulher ser ouvida e não só vista. “É quase um ato político só estar aqui, falando.”
“Por meio da música e da poesia, encontrei minha força e minha identidade. Vocês estão aqui porque são apaixonados pela literatura. Espero que isso encoraje vocês.”