Para responder rápido: qual é o nome do macaco que acompanha Tarzan em suas aventuras pela Africa? Quem responder “Chita” provavelmente não conhece a real origem do personagem. “Chita” é invenção dos filmes e seriados antigos, que não respeitaram direito a história do rei das selvas africanas. Tarzan foi protagonista de uns 200 filmes e outras produções, mas andava meio sumido desde o desenho animado da Disney, em 1999 — a tosca animação de 2013 não conta. Eis que agora ele volta, em A Lenda de Tarzan, que estreia nesta quinta-feira em Curitiba.
Tarzan é um caso clássico de personagem da literatura que se tornou maior que sua obra. Como Sherlock Holmes ou os Três Mosqueteiros. E isso torna-se uma vantagem, pois o universo a se explorar é imenso. A qualidade final dos filmes fica sempre sujeita ao respeito pelo personagem e suas nuances. A Lenda de Tarzan é assim. Consegue respeitar o herói sem se prender especificamente a uma das histórias escritas por Edgard Rice Burroughs. Pelo contrário.
Para pincelar rapidamente a origem de Tarzan (esse spoiler prescreveu). Um casal de ingleses — ela, grávida — sobrevive a um naufrágio na costa do Quênia, um país africano, e constroem uma casa na árvore para se proteger dos animais. Não dá certo; os dois morrem, mas não antes de o menino nascer. Ainda bebê, ele é adotado por um bando de gorilas e cresce no meio deles — e é batizado de Tarzan, que significa pele branca. Já adulto, adaptado à selva do Quênia e com interação perfeita com os outros animais, ele é descoberto por um cientista norte-americano e sua filha Jane. Eles descobrem que trata-se de John Clayton, neto do lorde inglês Graystone. Tarzan vai para a Inglaterra e assume seu lugar no clã, mas não se adapta e volta à África.
O filme dirigido por David Yates (dos quatro últimos filmes de Harry Potter) começa a partir daí. Em 1888, Tarzan é meio que forçado a voltar à África para resolver uma questão diplomática. Isso teoricamente. Na prática, trata-se uma armadilha, orquestrada por Leon Rom, a serviço do rei belga Leopoldo, um dos maiores canalhas do século 19. Rom tenta achar diamantes para salvar a pele do endividado rei — que, por sua vez, considera o Congo Belga como um território de sua propriedade, onde dizimar elefantes para extrair marfim, matar animais e comercializar escravos é tudo da lei. Uma vez na África, o herói vai aos poucos se despindo do verniz da civilização inglesa e retomando o seu lado selvagem enquanto tenta resgatar a mulher, Jane, capturada por Rom. Para essa tarefa, aliás, ele conta com a ajuda de George Washington Williams, um veterano da guerra de Secessão dos EUA. No decorrer do filme, a origem de Tarzan é contada. A pinceladas.
Além de uma trama política, A Lenda de Tarzan apresenta algo até então inédito nos filmes: a veracidade. Os animais não têm diálogos fofinhos como, por exemplo, ocorre na animação de 1999 ou em Mogli: O Menino Lobo, outro filme de um humano no meio da selva. A comunicação entre Tarzan e os bichos é feita com a linguagem peculiar de cada animal — ele conhece cada uma delas. Uma luta entre o herói e um gorila desenrola-se da maneira esperada entre um gorila e um homem com força e agilidade bem acima da média. Aqui, um parênteses: os animais são todos feitos em CGI, bem como as cenas em que o herói se balança de cipó em cipó. E, não, não tem Chita.
Apesar de tudo isso, Hollywood continua devendo um filme fiel às origens de Tarzan. A Lenda de Tarzan não é esse filme. E, se existe outro pecado, é o de deixar transparecer que o Rei das Selvas é um personagem datado, pertencente à virada do Século 19 para o 20. Infelizmente, assuntos como tráfico de marfim, matança gratuita de animais selvagens e escravagismo também deveriam estar datados, mas não estão.
CONHEÇA OS PERSONAGENS
John Clayton / Tarzan (Alexander Skarsgård) Anos após ter deixado a África, onde era uma lenda, ele se tornou um lorde inglês. Mas acontecimentos forçam seu retorno ao seu lar de origem. | |
Jane Clayton (Margot Robbie) Mulher de John Clayton, ou de Tarzan. Também conhece bem a África — cresceu lá com o pai, um cientista — e está bem longe de ser uma donzela indefesa. | |
George Washington (Samuel L. Jackson) Diplomata norte-americano, convence Tarzan a voltar à África. Pragmático, sabe que o rei Leopoldo, da Bélgica, está cometendo atrocidades por lá. | |
Leon Rom (Christoph Waltz) Emissário do Rei Leopoldo, da Bélgica. Em troca de diamantes, faz uma aliança com um chefe tribal do Congo e se compromete a capturar Tarzan. | |
Mbonga (Djimon Hounsou) Chefe de uma tribo do Congo, aceita se aliar aos belgas. Desde que receba, em troca, a cabeça de Tarzan, com quem tem uma pendência antiga. |