Os percalços e as decepções que superamos durante a vida nos deixam mais críticos com o passar dos anos. Na verdade ficamos mais criteriosos com nossas escolhas. Gostar ou não de algo – ou até de alguém – se define levando em conta esse histórico de desconfiança com tudo que nutrimos ao longo desse tempo. Trocando em miúdos, invariavelmente, ficamos mais chatos.

Trabalhar com o jornalismo, então, tem o poder de deixar-nos insuportáveis e com a mania de (perseguição) procurar pelo em ovo a cada história ou acontecimento. Muitas vezes, aliás, ignoramos que pode existir algo de muito bom por trás de um fato aparentemente ruim ou que traz consigo um histórico de problemas que mascara a realidade da essência de sua origem. É assim com as Olimpíadas e a tocha olímpica, suas polêmicas e escândalos.

Hoje pedi a ajuda de um amigo de longa data. Conheci o Volney Amaral Rosolem no 2.º grau. Estudamos juntos no Colégio Estadual do Paraná e mal sabia que desde muito antes ele convivia com sérios problemas de saúde. Ele nunca foi de se queixar e usá-los como desculpa. E eram problemas para abalar facilmente os mais fracos de espírito.

No mês passado Volney foi um dos privilegiados (e merecedores) a carregar a contestada tocha olímpica. Ao empunhar o símbolo maior das Olimpíadas, da representação física do verdadeiro espírito olímpico, Volney sentiu que tudo valeu a pena.

Tudo começou no final do ano de 1993, quando contraí uma doença rara: a hepatite auto-imune. Essa doença fez com que meu organismo começasse a rejeitar meu próprio fígado. Na época, ainda muito jovem, praticava vôlei num clube de Curitiba, tinha o esporte como parceiro do dia a dia e sonhava em ser um atleta. Ao ser obrigado a substituir as quadras pelo hospital, o isotônico pelos remédios, iniciei meus dias de luta. Em 1999 fui diagnosticado com Colangite Esclerosante (inflamação no fígado) e cirrose. O uso de muitos remédios, corticoides e imunossupressores tornou-se frequente. Em 2010 descobri a retocolite ulcerativa, que me fazia evacuar mais de 20 vezes ao dia. Eu não tinha controle nenhum do meu intestino. Adquiri uma anemia profunda e precisava de 4 a 6 bolsas de sangue todo mês via transfusão. Cheguei a tomar 28 comprimidos por dia. Quando descobri que eu precisaria retirar todo o intestino e colocar uma bolsa de colostomia no lugar, estava tão debilitado que minhas chances de morrer beiravam os 100%. Quando tentava me fortalecer para a cirurgia, descobriram que eu tinha um derrame pleural (água em torno do pulmão) e derrame pericárdio (água com pus ao redor do coração). Mas no final de 2010 fiz a cirurgia e correu tudo bem. A minha esposa Loretta Derbli sempre esteve ao meu lado e tenho quase certeza que se não fosse por ela já teria desistido da vida. Sempre tive o sonho de ter filhos, mas tomava remédios muito fortes e minha taxa de espermatozoides era muito baixa. Mesmo com inseminação artificial seria quase impossível. Em 2011, como um milagre, minha esposa engravidou de forma natural e me proporcionou dias inesquecíveis. Em março de 2012 veio a Lauren e apenas quatro meses depois minha amada esposa estava grávida novamente. Em março de 2013 nasceu o Arthur. Quando tudo parecia ‘normal’, em junho de 2013, descobri que necessitaria de um transplante de fígado. Quando cheguei ao topo da lista de espera, em dezembro daquele ano, peguei catapora. Foi pra acabá mesmo. No dia 24 de dezembro de 2013, véspera de natal, recebi de presente a notícia de que faria minha cirurgia. Foi um sucesso. Em 2016 retirei a bolsa de colostomia e passei a ter uma vida normal. Ainda em 2015 participei de um concurso e contei minha história. Fui selecionado pela Nissan, um dos patrocinadores das Olimpíadas, e fui escolhido como dos condutores da tocha. Ter esse privilégio foi uma recompensa pela luta que enfrentei durante boa parte da minha vida. Senti um frio na barriga toda vez que ouvia as palavras tocha e olimpíadas. Quando via algum famoso carregando a tocha, pensava: Meu Deus, eu também carregarei. Sentirei o espírito olímpico. Quando a segurei pela primeira vez, no dia 10 de julho em Florianópolis, foi uma emoção indescritível. Senti como se a chama realmente tomasse conta de mim, da minha alma. Hoje a tenho como um membro da família. A tocha é o meu terceiro filho e representa verdadeiramente o espírito olímpico que emociona tantas pessoas pelo mundo.

Esse relato me emociona todas às vezes. São histórias como a do Volney que me fazem continuar acreditando que o esporte transforma vidas, reescreve histórias e muda destinos. Um sonho, um objetivo, uma meta. Correr atrás e acreditar é que define qual rumo teremos na nossa vida. Escolha o seu.

Bem vinda Rio 2016.