*João Guilherme Rache Gebran

Depois de ter sido alterado mesmo antes de entrar em vigor, e depois, também, de muita polêmica acerca da data do início de sua vigência, o novo Código de Processo Civil (NCPC), finalmente, passou a vigorar. Mas o que se esperar de um Código que ressuscita velhas práticas?

O melhor exemplo das inovações do NCPC, frustradas antes mesmo de sua entrada em vigor, é o juízo de admissibilidade de Recursos aos Tribunais Superiores.
O artigo 1.030 do NCPC, originalmente, previa que os recursos especiais e extraordinários deveriam ser enviados diretamente aos Tribunais Superiores, sem prévio juízo de admissibilidade nos Tribunais de origem. Para o Ministro do STF que presidiu o anteprojeto do NCPC, Ministro Luiz Fux, tal dispositivo representava um compromisso com a celeridade, pois, no modelo do antigo Código de Processo Civil (CPC/73), as partes, quando tinham negado o seguimento ao seu recurso em 2º Grau, recorriam às Cortes Superiores e, se a decisão denegatória fosse mantida, interpunham agravo regimental. Ou seja, a mesma tese era julgada três vezes.
Entretanto, a ideia de alterar sistemática não foi bem recebida pelos demais ministros, que argumentavam que aumentaria muito a carga de trabalho dos Tribunais Superiores. Assim, passaram a defender mudanças no referido dispositivo, para que retornassem à sistemática anterior, e conseguiram.

A volta dos que não foram: a Lei nº 13.256, de 04 de fevereiro de 2016, retomou, nesse particular, a sistemática do CPC/73.
Ambos posicionamentos – o proposto e o mantido – representam filtros ineficientes de acesso às instâncias superiores, por não evitar o processamento de recursos desnecessários. Simplesmente impossível que o STF e o STJ julguem, efetivamente, todos os recursos interpostos. Isso não é novidade, todos sabem. É necessária uma efetiva revisão.
A solução não reside na realocação da competência sobre a admissibilidade de recursos (como proposto originalmente no NCPC), pois ela, por si só, não altera a quantidade de recursos, que continuarão a ser interpostos. A única diferença está em saber se o controle dos recursos fica concentrado nos Tribunais Superiores ou se difuso nos diversos Tribunais Estaduais e Regionais.

A verdadeira mudança depende, sim, de como tal controle deve ser feito. A resposta a essa questão engloba uma discussão muito mais importante acerca do papel dos Tribunais Superiores no Direito Brasileiro.
Ora, o verdadeiro papel constitucional do STF e do STJ é decidir, respectivamente, sobre o sentido da interpretação da Constituição e da legislação federal na ordem jurídica brasileira. Ou seja, ditar a última palavra quanto à interpretação da lei e da Constituição a fim de harmonizar o nosso sistema jurídico e dotá-lo de segurança.
Entretanto, como tais Tribunais estão sobrecarregados, torna-se impossível realizar o processo hermenêutico necessário para harmonizar o sistema, reduzindo-os ao papel de meras casas revisoras.
Sintoma claro desse excesso de trabalho são os 359 processos atualmente afetados à repercussão geral que aguardam julgamento no STF. Convenhamos, se nem mesmo tais processos são julgados com agilidade, o que dizer dos recursos individuais?

Diante desse cenário, faz-se necessário repensar os filtros de acesso a essas Cortes. As exigências de contrariedade à dispositivo constitucional para interposição de recurso extraordinário (art. 102, III, CF) e de contrariedade à lei federal para interposição de recurso especial (art. 105, III, CF) são demasiadamente amplas. A atuais tentativas de frear o fluxo de recursos mostraram-se um fracasso; serviram apenas para burocratizar o acesso e tornar os processos ainda mais lentos.
A solução para esse problema talvez seja mais simples: dar maior discricionariedade aos Tribunais Superiores para determinar os casos que serão aceitos e julgados. Esta, aliás, foi a solução adotada pela maioria dos países ocidentais.
Nos Estados Unidos, por exemplo, os casos só chegam à Suprema Corte por meio do writ of certiorari, expediente segundo o qual a Corte tem total discricionariedade para aceitar um caso ou não. Neste caso a proteção do ordenamento jurídico se sobrepõe ao interesse das partes.

Na França, o controle de admissibilidade de demandas constitucionais ao Conselho Constitucional é realizado com base em três pressupostos: a existência de um caso concreto, a originalidade da questão levantada e seu caráter sério. Entretanto, não há na doutrina francesa uma definição de caráter sério, que depende da discricionariedade do magistrado.
A Alemanha segue o mesmo exemplo: o principal meio de acesso ao Tribunal Constitucional Federal Alemão é o recurso constitucional, o qual está cercado de pressupostos de admissão, dentre eles o de fundamental importância constitucional, um critério – novamente – discricionário. E mais, a decisão de inadmissão do recurso sequer precisa ser fundamentada.
A experiência desses países mostra que um toque de discricionariedade na definição dos processos que serão julgados pelos Tribunais Superiores pode ser o elemento central para permitir que executem a missão para a qual estão constitucionalmente vocacionadas.
O Novo Código de Processo Civil perdeu uma grande oportunidade de aprimorar os filtros de acessos de recursos aos Tribunais Superiores. Era o momento adequado para introduzir certo grau de discricionariedade e desonerar os Tribunais Superiores, entretanto a discussão restringiu-se a debater o local adequado para a análise dos pressupostos.

*O autor é bacharel em Direito, graduado pela UFPR, integrante do escritório Assis Gonçalves, Kloss Neto e Advogados Associados.


Decisão Comentada

*Carlos Roberto Claro

Interessante decisão proferida pelo desembargador relator do recurso, em 02/08/2016:
Na técnica do CPC/73 (art. 527 cabeça) seria de imediato negado seguimento ao recurso. Na técnica do CPC/2015, há necessidade de manifestação do recorrente a respeito (art. 1.019, cabeça + art. 932, inciso III e parágrafo único). Isso porque, segundo a nova codificação (arts. 9º e 10), não se proferirá decisão com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva o juiz decidir de ofício. O relator deve proferir o que estou chamando de ‘despacho Piu Piu’. Piu-Piu é aquele canarinho do conhecido desenho animado do Frajola, um gato peralta. Toda vez que o pássaro antevia o ataque do gato dizia: ‘eu acho que vi um gatinho’. Na circunstância já apontada do CPC/2015, deve proferir-se o que eu denomino um despacho Piu-Piu’. É como se o relator, ‘à semelhança’ do canarinho, dissesse à parte: ‘eu acho que seu recurso é inadmissível’.
Comentários
Os artigos 9º e 10 do atual CPC não possuem correspondentes no CPC de 1973. O art. 5º, inc. LV da Carta Política contém importantes garantias fundamentais (contraditório e ampla defesa), de modo que a regra é que há a necessidade de ouvir a pessoa perante a qual será proferida decisão, garantindo-lhe o pleno direito de defesa e de pronunciamento durante todo o curso do processo. Não há privilégios, de qualquer sorte (Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil. Volume I. 52ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 36). No caso concreto, o relator do recurso – citando o personagem de desenho animado Piu-Piu (criado em 1940) – tomou a decisão com base o contido no art. 932, parágrafo único, do CPC, segundo o qual, antes de considerá-lo inadmissível, caberá conceder prazo cinco dias a fim de que seja sanado o vício ou complementada a documentação exigível, por parte do recorrente (AI n. 2153374-46.2016.8.26.0000 – TJSP)

*O autor é advogado em Curitiba, especialista em direito empresarial e mestre em direito.


Destaque

Bem de família é impenhorável para pagar dívida que não foi feita em proveito da entidade familiar
O desembargador Fernando Paulino da Silva Wolf Filho, da 17ª Câmara Cível do TJPR, concedeu liminar em favor de requerente suspendendo os efeitos de consolidação da propriedade, leilão e também de arrematação por terceiro adquirente em processo no qual o bem de família foi dado como garantia para a concessão de crédito a terceiro. O argumento principal baseou-se na Lei nº 8.009/1990 que determina a impenhorabilidade do bem de família, independente da vontade daquele que dispõe do bem, quando não há qualquer benefício para a entidade familiar, ou seja, não há ganho financeiro para a família.
A advogada Natália Brotto, que representou o requerente na ação, explica que a exceção de penhorabilidade do bem de família prevista no inciso V do art. 3º da Lei n. 8.009/1990, referente à hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar, restringe-se a situações em que a garantia foi ofertada para constituição de dívida que se reverte em proveito da própria entidade familiar. Desse modo, nas hipóteses em que a hipoteca ou alienação fiduciária é suporte à dívida de terceiros – inclusive da empresa – a impenhorabilidade do imóvel deve, em princípio, ser reconhecida. Esse entendimento preserva a supremacia dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da moradia


Jornada

A OAB Paraná sedia no próximo dia 26, das 10 às 18h, a I Jornada Paranaense de Processo Previdenciário. O evento terá o tema Direito Probatório de Acordo com o Novo CPC. Estão confirmadas as presenças dos juízes federais José Antonio Savaris e Fábio Souza, além do presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB Paraná, Leonardo Ziccarelli. Informações www.oabpr.org.br


Palestra

A AMAPAR promove em Curitiba, dia 25/08/2016, às 19 horas, palestra com o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do STJ, com o tema: Proteção do sigilo de dados e o direito à autodeterminação informativa. O evento é gratuito. Para participar basta fazer a inscrição no site www.emap.com.br


Livros

A Caixa de Assistência dos Advogados do Paraná e a Juruá Editora lançaram uma campanha promocional nas Livrarias do Advogado. São best-sellers com descontos que variam de 25 a 40%, diversos livros com preços entre R$ 10 e R$ 20 e nas compras acima de R$ 300 o cliente ainda ganha brinde, um livro que pode ser escolhido entres três diferentes títulos. Promoções válidas até o dia 31 de agosto.


eproc

O TRF da 4ª Região acaba de lançar o aplicativo eproc. O sistema tem por objetivo atender à demanda dos advogados que precisam acompanhar os prazos processuais das ações que tramitam na Justiça Federal da 4ª Região. O app está disponível gratuitamente nas lojas Apple Store (IOS) e Google Play (Android).


Direito sumular

Súmula 579  do STJ – Não é necessário ratificar o recurso especial interposto na pendência do julgamento dos embargos de declaração, quando inalterado o resultado anterior.

 


LIVRO DA SEMANA

O estudo sobre salário, remuneração e jornada de trabalho é um dos mais interessantes no Direito do Trabalho, por se tratar da gênese dessa área, traçando princípios básicos e sintomáticos, que se espraiam às demais categorias da área. Além disso, dentre as que se generalizam visando a proteção do trabalho humano, ganham destaque diretrizes que restringem o tempo de trabalho por fundamentos imperativos de ordem biológica, eis que a imposição de limites combate a fadiga, de ordem social, inserindo o trabalhador em atividades recreativas, culturais e físicas, possibilitando maior convívio familiar e de ordem econômica, pois a imposição de lindes à jornada viabiliza maior número de empregos, além de aumentar a produtividade do trabalhador. Esses serão os pontos basilares da presente obra, oportunizando ao leitor um estudo específico e aprofundado sobre os temas ora propostos.

  

COORDENAÇÃO: RONEY RODRIGUES PEREIRA
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