“Não sou Nero, não estou demolindo de forma grotesca algo que demorei 20 anos para construir.” Essa foi a reação do editor Charles Cosac à repercussão negativa da entrevista do diretor financeiro da editora Cosac Naify, Dione Oliveira, sobre o destino dos 400 mil livros que estão armazenados num depósito de Barueri, acumulados durante duas décadas de produção editorial e ameaçados de virar aparas no fim de dezembro.

Pagando o aluguel de R$ 55 mil mensais para guardar esse estoque numa empresa especializada, o editor revelou, em entrevista exclusiva ao jornal O Estado de S. Paulo, que ainda está em conversações com fundações e instituições para evitar que esses livros sejam picotados e virem aparas — prática, aliás, comum entre as editoras quando um título encalha nas livrarias. E a Cosac Naify, a despeito da excelência editorial e do cuidado gráfico, lançou, entre os 1.600 títulos publicados desde sua fundação, muitos livros que não venderam um décimo da edição.

“Doei livros para bibliotecas, escolas e autores nesses 20 anos e, mesmo no fechamento da editora há um ano, destinei a instituições como a Biblioteca Mário de Andrade dois exemplares de cada título que publiquei”, lembrou Cosac, que, ao decidir encerrar as atividades, doou também 900 títulos seus para a editora do Sesi. A editora acaba de lançar Olhar à Margem: Caminhos da Arte Brasileira, reunião de textos que abarca a produção de 15 anos do crítico Luiz Camilo Osório.

Charles Cosac revela que continuará a exercer sua profissão de editor, ajudando editoras como o Sesi e a Cobogó, duas novas parceiras, na produção de novos títulos, como o de Camilo Osório Com a Cobogó ele finalizou o livro do fotógrafo Mauro Restiffe, que em breve chega ao mercado. Toda a produção do livro ficou a seu cargo. Ele bancou tudo.

Sobre o acordo com outras editoras — entre elas a Companhia das Letras —, Cosac diz que elas tampouco podem absorver títulos que fracassaram no mercado. “Alguns, que conseguiram bons resultados nas vendas, estão sendo reimpressos, mas ninguém quer os que não tiveram êxito.” Mesmo escritores consagrados, como o argentino Alan Pauls, não despertaram interesse das editoras que adquiriram parte do acervo da Cosac Naify. Ele foi na esteira de outro chileno, Alejandro Zambra, de maior apelo comercial. “Há também títulos que outras editoras já têm e eu tenho obrigação moral de tirá-los do mercado.” Entre eles está a luxuosa edição de Guerra e Paz.

Os livros que estão armazenados, segundo o editor, têm valor negativo diante da despesa mensal para a manutenção e conservação do estoque na locadora, o que o diretor financeiro Dione Oliveira tentou explicar em sua entrevista.

PLANOS NÃO DESCARTAM COLABORAÇÃO
O encerramento da comercialização de todo o estoque da Cosac Naify se encerra no dia 31 de dezembro de 2016, um ano após o anúncio do fechamento da editora por Charles Cosac, revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo, na época. Até lá, dificilmente esse estoque de 400 mil volumes será absorvido pelo mercado. “Eles estão à venda há 20 anos e não posso culpar a Amazon se não existem compradores”, diz Cosac. A Amazon já queimou parte do estoque da editora. Mesmo assim, sobraram títulos que são êxitos editoriais, mas pouco procurados pelos leitores.

O editor manteve o hábito de doar livros todos os meses de janeiro, o que não ajudou a diminuir de modo significativo o estoque. “Eu doei também para os autores, porque não fali, mantenho o mesmo padrão de vida, só decidindo fechar a editora porque era deficitária.” A Cosac Naify permaneceu aberta no último ano, mas inoperante por motivos legais. Os títulos que deverão ser lançados, segundo o editor, virão com o nome das editoras parceiras.

“Fizemos apostas erradas, como o livro Arquivo Brasília, uma edição cara com 7 mil fotos, que teve uma tiragem de 10 mil exemplares, dos quais 6 mil ainda estão em estoque.” Mesmo obras que teriam maior apelo popular, como o livro dedicado ao cantor pop inglês Sting, foi um tremendo fiasco. Dos 10 mil exemplares impressos, só 500 foram vendidos.

A varejista Amazon não comprou todo o estoque da Cosac Naify, como se imagina, mas só alguns títulos. As editoras que compraram os livros publicados pela Cosac Naify também foram parcimoniosas nas escolhas. “Acabei optando por doar os 900 títulos à editora do Sesi, porque quero que eles continuem a circular.”

Séries inteiras organizadas por grandes intelectuais, como a do professor Ismail Xavier (Cinema, Teatro, Modernidade) correm o risco de desaparecer se nenhuma editora se interessar por elas. “Imagine, você tem títulos raros do cineasta Glauber Rocha, um dos grandes nomes do Cinema Novo, mas não tem compradores, o que me obriga a buscar um destino digno para eles, embora exista um limite.”

Charles Cosac se defende das críticas que circulam pela internet, dizendo: “Estou sendo acusado injustamente de fazer algo contra o qual lutei e luto há 20 anos, a destruição de livros”. O editor, em busca de instituições que possam guardar o precioso legado da Cosac Naify, revela que essa luta deve continuar. “Não estou em busca de coedições, até mesmo porque honro meus compromissos com os autores, caso do livro de Mauro Restiffe, que eu não tinha como deixar de ceder à editora da Cobogó.”

Se a doação de livros provoca, segundo seu diretor financeiro, um “transtorno contábil” à editora, oficialmente fechada e arcando com a despesa de armazenamento de seu estoque, a edição de novos livros é outro problema. O do fotógrafo carioca Alair Gomes, que estava em preparo, foi suspenso. Mas, garante o editor, seu trabalho na área não terminou. “Tinha 32 anos quando fundei a editora, estou com 52, e não fui à falência.”