A primeira menção registrada da palavra literatura remete ao ano de 1510, e corresponde, possivelmente, a uma forma derivada de outra palavra à época popular, letradura, no sentido de marcada, impressa.

Talvez por este motivo, muitos pesquisadores a definem como opositora da fala comum, cotidiana, por obedecer a regras precisas, lidando com a linguagem de forma mais trabalhosa, mais autoconsciente, porém em contrapartida levando a uma experiência mais intima com nossos processos de raciocínio e emoções.

De forma geral, denominamos literatura a uma escrita sem pragmatismo, ou seja, que se distingue de um recado que enviamos aos pais, de uma instrução que um professor passa aos alunos, de um manual que ensina utilizar algum equipamento; por não ter finalidade prática imediata, não poder ter uma definição objetiva.

Literatura também se distingue, e bastante, da linguagem científica, apresentando ambiguidades, fatos irracionais ou mágicos, é normalmente simbólica e não literal, e pode, muitas vezes, fugir à estrita norma culta de um determinado idioma, o que seria impensável em textos técnicos ou em livros didáticos. De forma geral, tem um aspecto expressivo e emocional, e os juízos de valores sobre ela mudam de acordo com a época, com as circunstâncias históricas e mesmo a ideologia do leitor; sua distinção entre fatos e ficções pode, inclusive, estar em terreno bastante questionável.

Segundo o historiador e escritor Umberto Eco, o mundo da literatura é um universo no qual é possível fazer testes para estabelecer se um leitor tem o sentido da realidade ou é presa de suas próprias alucinações, já que pesquisadores da área concordam que nela a veracidade pode estar mistificada ou dissimulada.

Para um professor, escolher uma obra literária a ser trabalhada no ambiente escolar é tarefa de extrema responsabilidade, pois como, entre tantas obras de literatura, definir algumas como essenciais, ou pelo menos capazes de influir na formação de uma criança ou jovem? O quanto de prazer este livro poderá proporcionar e trazer mais intimidade com o ato de ler?

A linguagem escrita é uma criação cultural, artificial, e necessita de alguns padrões bem definidos, a chamada norma culta. Os que escrevem e os que leem devem partilhar os mesmos códigos, a risco de não se fazerem entender ou não entenderem o que se quis dizer, na escrita o padrão culto é mandatório. No entanto, a literatura é uma arte, e, como tal, frequentemente cria suas próprias regras. Um texto literário de vanguarda provavelmente não obteria boa nota, talvez sequer aprovação, em um concurso público, mas o objetivo da literatura de vanguarda não é participar de concursos públicos. Em provas com grande número de candidatos, a correção das redações obedece a critérios muito objetivos, única maneira de garantir justiça e equanimidade para os concorrentes. A criatividade e a originalidade não tem grande peso, não se trata de avaliar se o candidato é um bom escritor, e sim se consegue desenvolver um tema proposto com clareza e pertinência, obedecendo à norma culta da língua portuguesa.

Na verdade, a escolha significa definir, entre as muitas histórias, quais representam a verdadeira literatura, ou seja, têm importância na vida dos demais, trazem uma mensagem valiosa para a vida de seus alunos, complementarão suas formações, constituirão ferramentas relevantes na concepção do que é o mundo, como as pessoas se relacionam entre si, sobre quais valores e atitudes basear a vida.

Um bom livro deve ser capaz de nos fazer repensar conceitos, familiares os sociais, em seus contextos, com suas criatividades e suas possibilidades de fornecer resposta às grandes questões com as quais nós seres humanos nos deparamos.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil