REINALDO JOSÉ LOPES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pesquisadores da Suécia identificaram pela primeira vez regiões do genoma dos cães domésticos que podem estar ligadas ao relacionamento especial que esses bichos têm com o ser humano. São trechos do DNA que, provavelmente não por acaso, também parecem ser importantes para o comportamento social das pessoas.
O estudo da Universidade de Linköping usou um plantel de quase 200 beagles (a raça do mundialmente famoso Snoopy), o que facilita a busca por associações entre DNA e comportamento –como os cruzamentos da raça são controlados há tempos, os bichos possuem relativa homogeneidade genética.
Além disso, os cães foram criados de forma altamente padronizada, sem que os humanos do canil da universidade dessem atenção especial a um ou outro indivíduo, o que também ajudou nos testes. A pesquisa está na revista científica “Scientific Reports”.
Antes de chegar ao genoma dos beagles, porém, a equipe liderada por Per Jensen fez uma análise comportamental dos bichos. Hoje, é consenso entre os que estudam a evolução dos cães que um dos grandes diferenciais da espécie em relação a seus parentes selvagens, como os lobos, é a capacidade de prestar atenção em seus donos humanos e interagir com eles. Isso permite, por exemplo, que os cachorros “leiam” sinais comunicativos tipicamente humanos, como a diferença do olhar ou gestos.
AJUDA COM A TAMPA
Por isso, as quase duas centenas de beagles do estudo foram submetidas a um teste simples, no qual guloseimas apreciadas pelos cães eram colocadas debaixo de uma tampa de acrílico. No experimento havia três tampas. Em duas delas, o cão conseguia mover o anteparo de acrílico sozinho e comer o quitute, mas a terceira tampa estava fixada no chão.
A ideia era ver quais beagles, diante desse impasse, procurariam ajuda humana, olhando para os pesquisadores (literalmente com cara de cachorrinho pidão) ou indo até eles. Em tese, tais bichos teriam mais chance de carregar variantes genéticas que os predispõem a interagir com humanos. No experimento, os cientistas também mediram quanto tempo os cachorros demoravam para procurar ajuda humana e quanto tempo ficavam chamando a atenção da equipe do laboratório.
Próximo passo: uma análise ampla do genoma dos bichos, baseada na identificação de um conjunto de SNPs (polimorfismos de nucleotídeo único; pronuncia-se “snips”). São variações de uma única “letra” química de DNA (certo trecho do genoma pode ter a letra C num indivíduo e a letra A em outro, digamos) que, quando examinadas em conjunto, podem dar pistas sobre a variabilidade genética de uma espécie.
No caso, a ideia era verificar se as diferenças de comportamento –mais ou menos interação com humanos– estavam associadas a determinados conjuntos de SNPs. De fato, foi o que aconteceu –e alguns desses SNPs se localizam em regiões de determinados genes.
O mais relevante deles, segundo os pesquisadores, é conhecido como SEZ6L, e estudos parecidos em pessoas mostraram que há uma associação entre variações na versão humana desse gene e comportamentos do chamado espectro do autismo.
O espectro autista se caracteriza, entre outras coisas, pela dificuldade de interação social e de compreensão das intenções de outras pessoas. Ou seja, certas formas do gene em cães poderiam torná-los mais propensos a interações sociais, enquanto outras fariam deles indivíduos menos sociáveis, a exemplo do que ocorre na nossa espécie.