SYLVIA COLOMBO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “A conscientização e a mobilização por conta dos crimes contra a mulher vêm aumentando na Argentina, mas isso não tem tido efeito prático, porque os assassinatos de mulheres também estão aumentando”, diz a deputada Myriam Bregman, 44, ex-candidata a vice-presidente pela Frente de Esquerda no ano passado.
Também advogada, Bregman trabalhou em casos relacionados à repressão durante a ditadura argentina (1976-1983).
Na tarde desta quarta-feira (19), a congressista se juntou à marcha que reuniu mais de 100 mil pessoas em Buenos Aires (número dos organizadores) em protesto contra a violência de gênero e, especificamente, contra casos recentes de assassinatos de mulheres.
“Durante a gestão kirchnerista, morria uma mulher a cada 30 horas no país, vítima de violência doméstica ou machista, agora morre uma a cada 26 horas. É preciso atuar”, diz. Seu grupo político, que fez oposição ao kirchnerismo pelo lado da esquerda, considera que Cristina Kirchner (2007-2015) pouco fez para melhorar a situação das mulheres argentinas.
“O caso do aborto é o mais exemplar, a ex-presidente não permitiu que a lei avançasse no Congresso, deixando sua crença pessoal se impor à condução política do país”, diz. Agora, no novo governo do centro-direitista Mauricio Macri, Bregman vê a discussão dessa legislação ainda mais congelada.
“Além de o próprio presidente ter se declarado contra o aborto, vemos em sua política de ajustes da economia o desmantelamento de vários projetos de apoio à mulher já existentes”, diz.
Na Argentina, o aborto é permitido apenas em casos de má-formação do feto, risco de vida da mãe e de estupro (este último mediante decisão judicial).
PROJETO DE LEI
Bregman e seu partido apresentaram recentemente um projeto de lei ao Congresso argentino para implementar um projeto nacional de construção de refúgios para mulheres que se sintam agredidas ou sob ameaça e que facilite o acesso a moradias e a transferência dos filhos das escolas para mulheres que queiram se separar de maridos agressores, mas que não tenham recursos para isso.
“A legislação de proteção à mulher na Argentina é pensada após o ato consumado, ou seja, é primitiva. O crime é punido de forma mais severa depois de ocorrer, acrescentando-se anos de cadeia ao agressor. Mas isso não protege a mulher. Apenas superlota nossas prisões. Nosso programa visa a prevenção de crimes de gênero. Muitas mulheres não deixam o lar onde estão ameaçadas porque não têm para onde ir e levar os filhos. Defendemos uma lei que facilite essa escolha.”
Na marcha de quarta-feira, as mulheres vestiram negro e saíram às ruas, mesmo debaixo d´água. “Me impressionou ver muitas meninas muito jovens, creio que isso aponta para uma mudança de mentalidade”, completa Bregman.
As mobilizações contra a violência contra a mulher ganharam força na Argentina em junho de 2015, quando um coletivo denominado “Ni Una Menos” (nem uma a menos) chamou a atenção para o número crescente de casos de violência contra a mulher. Segundo dados oficiais, desde 2008 houve 2.098 assassinatos de mulheres na Argentina. Em 2014 foram 277 e, no ano passado, 286. Ainda não há números para 2016.
“É uma grande pergunta, por que esses crimes estão aumentando? Acho que a resposta passa pelo fato de que há uma reação das mulheres, que já não aceitam mais a violência doméstica como uma obrigação familiar. Há mais denúncias, há mais movimentos sociais. E talvez isso esteja aumentando a agressividade dos homens”, diz Bregman.
Do ano passado para cá, o “Ni Una Menos” ganhou adesão de artistas, intelectuais e espalhou-se por outros países, tendo hoje representantes no Chile e no Uruguai.