JULIANA GRAGNANI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Ministério Público do Estado de São Paulo requisitou a abertura de inquérito policial para investigar o esquema de falsificação de documentos na praça da Sé, após a publicação de reportagem da Folha de S.Paulo no último domingo (16).
O GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), que tem atuação direta de promotores em conjunto com a polícia, acompanhará o caso.
A reportagem encomendou na praça da Sé um RG e uma carteira de motorista falsos, sempre com acompanhamento do departamento jurídico do jornal, com o objetivo único de submetê-los a peritos e denunciar o esquema. Os documentos foram entregues ao Ministério Público de São Paulo no dia seguinte à publicação da reportagem, nesta segunda (17).
Cada uma delas foi adquirida por R$ 300 em frente ao Poupatempo, serviço onde documentos oficiais são emitidos. Elas ficaram prontas em 70 minutos. O esquema é procurado por adolescentes, que usam falsificações para entrar em baladas.
Bem-feitas, as cópias são elogiadas por peritos.
Para a compra, basta abordar alguns rapazes que anunciam a venda de fotos ou aqueles com coletes “compro ouro”. Com uma cópia do original, uma assinatura numa folha em branco e uma foto 3×4, uma nova identidade é feita. “O papel é igual ao original. Não é original, mas é 80%”, disse um dos vendedores. Outro mostrou o próprio RG: “O nome não é meu”.
A negociação aconteceu em uma loja em frente ao Poupatempo, no nº 44 da rua do Carmo. As fotos 3×4 foram feitas ali. Um homem as levou, junto com as assinaturas e as cópias, para outro lugar e instruiu a repórter a aguardar na parte externa do Poupatempo.
Num canto da loja e com pedido de discrição, as falsificações foram entregues –”está ‘embaçado’ aqui por causa da polícia”, disse o rapaz que as vendeu. Falsificar documentos, assim como seu uso, é crime, punido com reclusão de dois a seis anos e multa.
PERÍCIA
Um dos vendedores diz que o documento falso “passa a olho nu, mas não a laser”. Ele se refere à luz negra utilizada para verificar a fluorescência. Para o perito Celso Del Picchia, as falsificações são as melhores que já viu. “O documento não resiste à perícia, mas não é facilmente percebido por leigos sem o equipamento adequado.”
Para verificar a autenticidade do documento, Del Picchia recomenda observar o brasão no canto superior esquerdo com uma lente de aumento. As letras dos falsos não têm nitidez, mostra ele. A película protetora também é diferente: na original, é menos brilhante.
Outra dica é tatear as extremidades dos documentos, diz o perito Sebastião Cinelli. Nos oficiais, impressos pelo sistema calcográfico (talho doce), elas estão em alto relevo -a tinta fica em pequenas ranhuras criadas na própria impressão. É um processo muito caro, diz Cinelli, e, portanto, quase impossível de copiar. Os falsários até tentam: na simulação, fazem pequenas perfurações na parte de trás do documento, talvez com uma chapa ou manualmente, mas só após a impressão.
Para Del Picchia, a forma mais eficaz de coibir esse tipo de falsificação é adotando um documento único e com tecnologia mais avançada.
Uma lei de 1997 que criava um registro civil unificado nunca saiu do papel. Agora, o Congresso discute um novo projeto, proposto pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 2015. O texto cria a Identificação Civil Nacional, com o CPF como número único e a biometria como meio para identificar os cidadãos, aproveitando a coleta do TSE.
O deputado federal Julio Lopes (PP-RJ), relator da proposta, afirma que o custo será “insignificante”, sem estimá-lo, porque a substituição de documentos seria feita aos poucos, quando expirassem.
POLÍCIA
A 1 km da praça da Sé, no casarão onde fica o 1º Distrito Policial, na Liberdade (centro), o delegado Amadeu dos Santos diz que os policiais têm ciência do crime de falsificação de documentos e que o combatem “diariamente”.
“Não tem essa de ‘ah, vamos investigar’. É direto”, diz ele, citando números: em 2016, foram 24 ocorrências no 1º DP envolvendo documentos falsos na praça da Sé. Dos 24, 17 foram em flagrante. “A maioria de atestados falsos. Mas tivemos RG e CNH também”, afirma, lembrando o caso de um jovem do 3º ano do Ensino Médio pego neste ano. “Ele comprou para ir a uma festa. Seu pai veio aqui bravo pra caramba.”
A investigação, diz ele, é feita com policiais infiltrados que acompanham a negociação dos documentos falsos. “Muitas vezes, são pessoas que estão aí no meio da população. Não tem central onde você vá pegar uma pessoa com 50 espelhos de RG ou CNH. É muito pulverizado”, afirma. O que dificulta, diz Santos, é que, para inibir flagrantes, os vendedores não carregam nada com eles. “Trabalham como formiguinhas.”
Os falsários ficam em salas comerciais -só com um computador e impressora de boa qualidade, segundo o delegado. “Não tem uma grande estrutura ou um grande fornecedor de documentos.” Além do trabalho da polícia, ele diz que é importante orientar menores a não adquirirem os documentos falsos, já que seu uso é crime.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Receita Federal informou que fez a integração de seus bancos de dados com a base do cadastro eleitoral do TSE, vinculando mais de 170 milhões de pessoas e passando a exigir o título de eleitor como documento obrigatório para inscrição de CPF, de modo a inibir fraudes.
O Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt (IIRGD) informa que as cédulas de identidade reais contêm número do registro em vermelho, data de nascimento, nome e CPF gravados em negrito preto e código do posto responsável pela emissão inscrito ao lado da foto.
Tem ainda perfuração com a inscrição IIRGD entre a foto e a digital, marca d’água e película, código de barras e número de série dos dois lados do documento, que é produzido em papel moeda.