Dizem que ao contar sobre sua aldeia, fala-se também do mundo. Da mesma forma, ao relatar a vida pessoal, expressamos um pouco a história de toda uma geração. Claro que cada aldeia é diferente, bem como as trajetórias individuais são todas distintas. Mas, de fato, há algo de global nos pequenos lugarejos e de padrão quase geral nas particularidades de cada um que frequenta a mesma época.
A infância em Assis, distante 444km de São Paulo, era cercada pelo sonho dos pais, pequenos comerciantes de primário completo, de que o caminho do sucesso dos filhos estava necessariamente associado à possibilidade de concluir ensino superior na capital. Tinham eles clareza, na década de 1970, de que esse desejo seria mais facilmente viabilizado se os filhos pudessem frequentar um ensino médio particular de qualidade em São Paulo. Os esforços seriam enormes, mas estudar em colégios privados como o Bandeirantes justificaria o sacrifício, compensado amplamente pela quase garantia de ingresso em instituições públicas de qualidade como a Universidade de São Paulo.
Pais orgulhosos desfilavam na avenida principal do interior com a certeza de que a nova geração, graças às parcas economias geradas no comércio local, estava no caminho de uma escolaridade desproporcionalmente acima da geração deles. Seus filhos tinham agora o Brasil inteiro como destino. Se as credenciais incluíssem um mestrado ou doutorado, qualquer estado da federação seria boa opção e a estabilidade do serviço público, uma benção. Se, por ventura, as universidades federais pudessem acolher seus filhos como docentes, o orgulho deles seria incontido, refletindo uma nação cuja nova geração, em termos de escolaridade e emprego, tinha ido muito além da anterior.
Por sua vez, para os filhos dessa geração cursar ensino superior neste século 21 passava a ser quase obrigação ou obviedade. Seja pela multiplicidade de oferta ou pelas induções do ambiente doméstico já escolarizado, esse caminho transformava-se, de forma natural, em padrão. De novo, quanto mais especializados fossem, melhores oportunidades surgiriam. Agora as rodovias, que anteriormente levavam à capital, se transformavam nos aeroportos que conduziam a novos portos e horizontes. As perspectivas continuavam existindo em todos os lugares, mas, no início desta década, estudar e morar no exterior constituíam diferenciais que amplificavam possibilidades.
Nos tempos atuais, frustrados por um anunciado desenvolvimento econômico, social e ambiental sustentável que ainda não veio, os cenários de novo se alteram rapidamente. As opções em termos de formação acadêmica e oportunidades de trabalho dos filhos diferem das nossas tanto quanto, ou mais, do que as nossas diferiram de nossos pais. Trabalhar no exterior, hoje, cruza a barreira da ideia do estágio provisório na preparação do retorno e passa a se constituir em opção talvez permanente e definitiva. Este fenômeno é cristalizado, especialmente, aos jovens profissionais mais talentosos, dadas as limitações de oportunidades satisfatórias de trabalho mais especializados no Brasil.
Nossos pais e nossos filhos delimitam, conosco ao meio, três gerações de um país que se transforma rapidamente, especialmente em termos de acesso à escolaridade e de oportunidades profissionais. Sabemos que temos bons motivos, mesmo quando não conseguimos explicitar bem quais sejam, para termos sempre esperanças no que está por vir no Brasil. No momento, mesmo assim, temos ainda pouca clareza sobre o que é reservado para esta geração. Mesmo porque este futuro próximo dependerá, essencialmente, daquilo que fizermos, ou deixarmos de fazer, neste capítulo em curso da história nacional.

Ronaldo Mota é reitor da Universidade Estácio de Sá