ANA ESTELA DE SOUSA PINTO, ENVIADA ESPECIAL TÓQUIO, JAPÃO (FOLHAPRESS) – O primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, fará uma reunião particular nesta quarta-feira (26) com o presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte. O encontro, incomum nas visitas de mandatários internacionais ao chefe de governo japonês, é o resultado do anúncio feito pelo filipino na semana passada de que se afastaria dos Estados Unidos e se alinharia com a China. A jogada de Duterte embaralhou as cartas da geopolítica regional.

Até então, as Filipinas vinham sendo um obstáculo às pretensões chinesas de controlar o Mar do Sul da China, por onde passa metade do tráfego marítimo mundial. O presidente anterior, Benigno Aquino 3º, recorreu à Corte Arbitral de Haia para barrar as pretensões territoriais chinesas, que impediam a atividade de pescadores em algumas áreas. A decisão, favorável às Filipinas, interessava aos Estados Unidos, que administraram o arquipélago desde 1898 e ali mantêm forças militares desde 1946, quando reconheceram o país como Estado independente.

‘ESCURINHOS’

Duterte, porém, tem atacado os americanos e ameaçado romper os tratados de cooperação militar, desequilibrando a balança para o lado dos chineses e, por tabela, preocupa o Japão. Em viagem à China na semana passada o presidente filipino declarou publicamente “divórcio” dos EUA e foi recompensado pela segunda maior economia do mundo. Voltou para casa com a promessa de US$ 13,5 bilhões (R$ 42 bilhões) em investimentos e importações, US$ 8,67 bilhões (R$ 27 bilhões) em empréstimos com juros baixos (mais de 10% do orçamento filipino) e o fim das barreiras à importação de frutas filipinas e às viagens de turistas chineses.

Assim que chegou a Manila na sexta (21), porém, chamou a imprensa para garantir que não cortara laços com os americanos. “Jamais faria isso. Os filipinos me matariam”, disse, citando os 3,4 milhões de emigrantes que vivem nos Estados Unidos -a maior entre as comunidades de filipinos expatriados. Nesta segunda (23), às vésperas da visita a Tóquio, disse a jornalistas japoneses em Manila que não haverá mudanças na aliança militar com os americanos. Apenas procurará alianças comerciais com outros países, incluindo a China e o Japão. O secretário filipino de Relações Exteriores, Perfecto Yasay Jr., convocou jornalistas no sábado (22) para afirmar que o objetivo do governo não é romper com os americanos, mas mostrar independência na política internacional e, com isso, deixar para trás a imagem de “irmãozinho escuro” (“little brown brother”).

CAUTELA

O governo japonês tem anunciado publicamente que tentará pacificar as relações entre filipinos e americanos, mas sua prioridade é restabelecer um um contrapeso político e militar no sul da China. Tóquio teme que um avanço chinês no Mar do Sul acirre também as disputas no Mar do Leste, que afetam o Japão. O direito de navegação foi uma das prioridades citadas pelo primeiro-ministro Shinzo Abe no discurso que fez após encontro com o presidente Michel Temer, na semana passada.

Duterte será recebido na terça (25) pelo ministro das Relações Exteriores do Japão, Fumio Kishida, em um jantar. Na quarta, antes do encontro privado, Abe deve assinar acordo para fornecer mais duas embarcações de patrulha para os filipinos, que já receberam também um avião japonês. Analistas ouvidos pela imprensa japonesa afirmam que o primeiro-ministro deverá evitar críticas à campanha antidrogas de Duterte, que já deixou mais de 3.000 mortos. A estratégia japonesa deverá ser a de fomentar investimentos em infraestrutura, um dos principais problemas das Filipinas. Com esse objetivo, o presidente terá um encontro com grandes empresários japoneses -entre eles, Toyota e Mitsubishi Motors.