SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – De Sheakspeare a Machado de Assis, um tema universal bastante complexo e recorrente em tramas ficcionais no decorrer da história: o ciúme. Mas, na era moderna, um novo personagem -a tecnologia- faz com que o sentimento ganhe um novo contorno.
No reino dos apps, as ferramentas criadas para aproximar as pessoas -como Facebook, Whatsapp e Tinder- ajudam ou atrapalham os relacionamentos amorosos modernos?
A questão, abordada no filme “Canção da Volta”, dirigido por Gustavo Rosa de Moura e estrelado por sua mulher, Marina Person, foi discutida no debate promovido pela Folha de S.Paulo na terça (8).
O evento contou com a participação de Moura e de Person e da psicanalista Maria Lucia Homem, além da colunista e da repórter da Folha Mariliz Pereira Jorge e Fernanda Mena, respectivamente.
“Sou super a favor de aplicativos. Hoje você conversa com a pessoa, pode saber mais sobre ela antes de sair junto”, diz Mariliz. “Antes, você ia a bares, festas, beijava alguém que nunca viu na vida. E ainda ficava esperando uma ligação.”
Para Mariliz, a conexão também tem um lado negativo. “Você não pode querer saber que horas a pessoa acordou, que horas ela foi dormir, onde ela está, com quem, fazendo o quê, o tempo todo”, diz.
Para Maria Lucia, a ansiedade constante de submeter o relacionamento ao ritmo tecnológico intenso por ser algo bem negativo. “Somos bichinhos falantes inseguros”, define. “Com toda essa exposição, entramos em um delírio narcísico. Ficamos querendo ser ‘liked’ (…) e essa insegurança corrói.”
O filme traz a história da crise no casamento de Julia (Person) e Eduardo (João Miguel), após a esposa tentar cometer suicídio.
A inquietação de Eduardo em descobrir as intenções -e angústias- da mulher, acabam evoluindo para outros problemas, como ciúmes, controle e relações extraconjugais.
“A ideia surgiu de uma inquietação que tenho há muito tempo em relação à complexidade que está por trás da maioria das relações amorosas, sobretudo as mais longas e intensas”, diz Moura.
O longa tem ares de thriller psicológico e forte carga autoral -Moura escreveu o roteiro e dirigiu Person, com quem é casado há oito anos, no filme rodado, em sua grande parte, dentro do próprio apartamento onde os dois moram no centro de São Paulo.
Se na trama os ciúmes e tentativa de controle de Eduardo acabam distanciando Julia do marido e dos filhos, na vida real Moura diz que muita cumplicidade foi necessária para encarar alguns desafios de filmagem, que incluíam dirigir cenas picantes entre a mulher e o ator João Miguel Sarrano.
“Por um lado ajudou ter alguém de confiança ali, na hora da filmagem”, conta Person. “Sobre as cenas de nudez, a primeira foi mais difícil, mas depois se tornou natural”, diz.
“Não houve ciúme”, conta Moura. “O momento de maior tensão foi uma cena de briga entre os dois”.
Ele se refere a uma briga entre Julia e Eduardo. Durante a filmagem, o ator João Miguel arremessou, em uma cena improvisada, uma bolsa em Person.
“Foi um susto. A primeira coisa que pensei foi: será que ela se machucou?”. O episódio foi logo superado.
“Apesar do susto inicial, ficou muito bom. Tentamos repetir e a segunda vez foi quase cômica”, diz Person.
Apesar dos momentos mais delicados, Moura diz que o relacionamento entre os três foi positivo. “Criamos uma relação de bastante confiança”, diz.